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Recuperar das Dependências (Adicção)

Contra o estigma, a negação e a vergonha associados aos comportamentos adictivos. O silêncio não é seguramente a melhor opção para a recuperação; ninguém recupera sozinho.

Recuperar das Dependências (Adicção)

Contra o estigma, a negação e a vergonha associados aos comportamentos adictivos. O silêncio não é seguramente a melhor opção para a recuperação; ninguém recupera sozinho.

Projecto “O Jogo Patológico – Um Problema Social” pelos Alunos da Esc. de Vila Nova de Cerveira

O jogo patológico não é uma doença, mas sim um divertimento – esta é a maneira como o Estado português trata este cancro que cada vez mais se entranha na nossa sociedade, galopando especialmente com o crescimento dos Casinos Online. 
Contra esta posição legal, o nosso grupo de área de projecto decidiu contrariar esta tendência e lutar por informar e prevenir os alunos da escola de Cerveira com a uma simulação de jogos de Casino. 
Durante uma semana, quatro jogos de “fortuna ou azar” tradicionalmente jogados nos grandes casinos foram colocados ao dispor do público do secundário da nossa escola. Foi atribuída uma carteira de 500 euros virtuais, por jogador, que poderiam ser gastos nos quatro jogos disponíveis. O grupo agiu como banca, numa actividade que tem como conclusão demonstrar, matematicamente, como os jogadores perdem, e psicologicamente, como estes são facilmente cativados pelo vício. 
Foram também entregues inquéritos, antes e depois dos “jogadores” esgotarem o seu saldo virtual, de modo a avaliar as expectativas e as vontades de continuar ou abandonar os jogos. Os resultados falam por si: 
  • 31% dos inquiridos admitiu que jogaria a dinheiro os jogos apresentados mesmo antes de os ter experimentado, sendo que, 
  • 64% estava convencido que iria ganhar. Após terem jogado, fizemos novamente um inquérito, concluindo que,  
  • 81% dos “jogadores” ficaram com vontade de voltar a jogar e,
  • 44% do total voltaria a jogar estes jogos a dinheiro, mesmo tendo,
  • 65% dos jogadores perdido em todos os jogos.         
O nosso grupo vem portanto alertar principalmente os pais e Encarregados de Educação, porque não há uma política de combate ao jogo por parte do governo.  Facilmente, a nossa faixa etária é cativada pelo dinheiro fácil dos casinos On-line e consegue falsificar os dados sem qualquer problema, pelo que pedimos a todos que se informem, e principalmente, que não tomem como modo de vida o que é suposto ser um divertimento.

O grupo de Área de Projecto “O Jogo – Um Problema Social” Escola Básica e Secundária de Vila Nova de Cerveira

Comentário: Acho original a ideia deste grupo de alunos, da Escola Básica e Secundaria de Vila Nova de Cerveira, ao abordar o Jogo Patológico. Estive presente na Escola para uma palestra que permitiu auscultar as suas (alunos e professores) opiniões e duvidas sobre este fenómeno em crescimento, também graças ao acesso da Internet (ex. Casinos On line) e negligenciado pelas autoridades competentes.
O Jogo patológico não é considerado uma doença em Portugal. Quais os estudos existentes sobre o perfil do jogador, em Portugal? Se o Estado também beneficia das actividades ligadas ao Jogo, não deveria ter responsabilidades para com a informação, ao público em geral, deste fenómeno, e ao apoio e tratamento, em particular, para os com os jogadores, famílias, incluindo as crianças? Quais os custos sociais e economicos para o Estado sobre o Jogo patológico?
Prevê-se um significativo aumento das receitas do jogo em Portugal, mas não se prevê uma atitude responsável pelas consequências do jogo do ponto de vista da saúde. O lucro não pode justificar a negação deste fenómeno.
Considero importante, os jovens questionarem de uma forma construtiva e aberta o Mundo dos Adultos, de um fenómeno negado e estigmatizado, mas publicamente referenciado e associado, de uma forma ardilosa, ao lazer e ao turismo. As questões e as dúvidas sobre o Jogo patológico permanecem por esclarecer até ao fatídico dia que uma família é confrontada pelo problema e pelas suas consequências de saúde, económicas, morais e legais.
Os meus parabéns aos alunos e não cruzem os braços sobre este tipo de fenómenos “escondidos” pelo Mundo dos Adultos. A informação é poder, e é capaz de mudar mentalidades e proporcionar uma sociedade mais crítica e menos individualista.
Veja a hiperligação da Inspecção de Jogos. Não existe nenhuma referência ao Jogo Patológico, apesar das evidências dramáticas.


Renasci

Posso dizer que nasci duas vezes; ao que parece, todos os nascimentos são dolorosos, e comigo também foi assim.


Dizem que chorei imenso quando a minha Mãe me deu á luz; afinal, era um mundo inteiramente novo e diferente daquele a que estava habituado, no quentinho protegido de uma barriga.

 

 

Desse nascimento não me lembro de nada, mas recordo com o passar dos anos fui crescendo numa infância feliz, aonde tive tudo o que era preciso para me tornar num adolescente saudável, de bem com a vida e equilibrado. Ao invés de me adaptar e integrar no mundo que se me abria e que ia descobrindo, fui crescendo (ou hibernando), cada vez mais fechado em mim próprio sem nunca saber como lidar com todas as contrariedades e dificuldades que eram/são comuns e normais a tantos e tantos jovens.

 

Descobri as drogas, aparentemente, por acaso, devia ter uns 13 ou 14 anos quando dei as primeiras passas num charro incitado por um novo grupo de amigos, que de vez em quando também o fazia. Rapidamente, percebi que sob o efeito do haxixe, todas as preocupações, frustrações ou dificuldades que pudesse ter, deixavam de existir como que por magia; curtir era a palavra de ordem, e curtir estava sempre associado às drogas; sem perceber que estava a entrar num processo auto-destrutivo, passei a encarar a vida sem qualquer sentido de responsabilidade e a única forma de o fazer era estar permanentemente anestesiado sob o efeito de drogas, na gíria, de cabeça cheia.

 

A mentira, o engano e os roubos passaram a fazer parte do dia-a-dia e acompanharam a minha escalada na degradação, consumos e experiencias com novas drogas. Não tardou muito, até que, curar as ressacas de heroína e a obsessão pela cocaína eram as duas únicas coisas que realmente importavam na minha vida. Nesta caminhada perdi tudo, amigos, trabalhos, valores, a minha própria família, perdi-me a mim mesmo, uma morte lenta que me levou a um desespero para o qual não via qualquer saída.

 

Já quase sem vida, renasci. Tinha 28 anos, e tal como da primeira vez (em que vim ao mundo) foi extremamente doloroso encarar a vida tal como ela é. Olhar para mim de uma forma honesta e admitir que toda a vida tinha sido viciado nas drogas, que nada tinha construído e tudo havia destruído, foi a parte mais difícil. Tudo me assustava, tudo me encantava; com a ajuda e orientação dos 12 passos[i] passei a acreditar que afinal era possível viver e ser Feliz, sem ter de usar drogas! A vida passou a fazer sentido, ganhei finalmente fé e deixei de me sentir sozinho. São tantos os sentimentos (Muitos bons e outros mais difíceis mas a vida é assim mesmo) e vivências que a vida tem trazido que nem no melhor dos meus sonhos poderia imaginar este meu renascimento e o quão maravilhoso é afinal, viver!


Passados 12 anos e meio de total abstinência de uso de drogas, agradeço a um Poder Superior[ii] que me trouxe até aqui, à minha família, aos meus amigos, colegas e companheiros de jornada!

Bem Hajam a todos!
Z.

 

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[i]  Os 12 Passos são a filosofia que sustenta o programa de recuperação (valores morais) indivídual através dos grupos de ajuda mútua (ex. Alcoólicos Anónimos)

[ii] Poder Superior é uma conotação espiritual, mas não é religiosa. Não existe dogma e divindades. A espiritualidade, referida neste contexto, é um conceito individual imaterial onde cada um é livre de acreditar (fé e esperança) naquilo que bem entender, por exemplo a experiência e o poder da ajuda entre pessoas com o mesmo problema.

 

  

Comentário: Os meus agradecimentos ao Z. pela sua participação anónima no Recuperar das Dependências. Como é do senso comum, a dependência das substancias psicoactivas (Adicção) é um problema complexo e muito difícil recuperar. O estigma, a negação e a vergonha contribui para o agravamento deste fenómeno social.  

 

Gostaria de realçar e ao mesmo tempo valorizar o facto de o Z. ter conseguido encontrar apoio e recursos significativos aos 28 anos de idade e assim travar a progressão/evolução da doença (agravamento dos sintomas: individual, familiar,  saúde  profissional, justiça). Apesar de não ser conhecida a verdadeira dimensão dos danos (cérebro), sabemos que quanto mais cedo se interromper a doença,  através da abstinência,  permite ao individuo e família  (renascerem)  competências e talentos de forma a levar uma vida perfeitamente normal.  Não é necessário ir preso, ter doenças crónicas, viver na rua, andar a  arrumar carros para se iniciar a abstinência/recuperação. Parabéns Z. 

 

Relação de Intimidade

 

“Não me interessa qual o teu modo de vida. Quero saber o que anseias, e se ousas sonhar os desejos do teu coração.

 

Não me interessa saber que idade tens. Quero saber se arriscas procurar que nem um louco o amor, os sonhos, a aventura de estar vivo.

 

Não me interessa saber quais os planetas que estão em quadratura com a tua lua. Quero saber se tocaste o centro da tua própria dor, se estiveste aberto às traições da vida ou se te encolheste e te fechaste com medo de outros sofrimentos! Quero saber se consegues sentar-te com a dor, a minha ou a tua, sem te mexeres para a esconder, disfarçar ou compor. Quero saber se consegues viver a alegria, a minha ou a tua; se consegues dançar com loucura e deixar que o êxtase te encha até às pontas dos pés e das mãos sem nos advertires para termos cuidado, sermos realistas ou nos relembrares as limitações do ser humano.

 

Não me interessa se a história que me contas é verdadeira. Quero saber se consegues desapontar o outro para seres verdadeiro contigo mesmo; se consegues suportar a acusação de traição e não atraiçoares a tua própria alma. Quero saber se consegues ser fiel e, por isso digno de confiança. Quero saber se consegues ver  beleza mesmo num dia não muito bonito, e se consegues alimentar a tua vida da presença de Deus. Quero saber se consegues viver com o erro, o teu e o meu, e mesmo assim ficar de pé à beira de um lago e gritar à Lua prateada, “Sim!”.

 

Não me interessa onde vives nem quanto dinheiro tens. Quero saber se, depois de uma  noite de dor e desespero, exausto , dorido até ao tutano, consegues levantar-te e cuidares das necessidades das crianças.

 

Não me interessa quem és, como chegaste aqui. Quero saber se permaneces no centro do fogo comigo sem te ires embora.

 

Não me interessa onde ou o quê ou com quem estudaste. Quero saber o que te sustem interiormente quando tudo o mais cai à tua volta. Quero saber se consegues estar só contigo mesmo, e se verdadeiramente gostas da companhia que tens nos momentos vazios.”

 

O Convite” de Oriah Moutain Dreamer

 

Comentário:Este texto parece realçar aquilo que é realmente importante entre duas pessoas quando assumem o compromisso de iniciar um projecto, em conjunto - Relação. A autora reforça os laços de intimidade, como os valores que sustentam a relação, isto é, para além do ego dos "parceiros" o mais importante é a relação, um sistema frágil e complexo. Para mim, em particular, gostei deste texto porque serve de inspiração e reforça a importância dos valores morais numa relação a dois, em detrimento do ego frenético e egocêntrico e dos aspectos materiais.

 

A Dor crónica, a Culpa e a Adicção: Uma triangulação indesejada

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Na maioria dos casos, quando uma família ou relacionamento de intimidade romântico (casal/parceiros) é afectado, pelas consequências negativas da Adicção activa, sejam substancias psicoactivas licitas, incluindo o álcool, e/ou ilícitas, jogo, sexo, compras, distúrbio alimentar, shoplifting, codependência, desenvolvem dinâmicas (atitudes e comportamentos) disfuncionais, entre os seus membros, que afectam o equilibro da relação, dos limites, dos papeis e dos afectos. Todos, sem excepção, são afectados pela dor aguda e adoptam uma postura defensiva no relacionamento uns aos outros, por ex. através da culpa. Procura-se um culpado pelo problema. Por ex. alguém na hierarquia família é culpado. Um mais do que outro, alguém tem de ser culpado e “castigado” pela causa do problema e pelas suas consequências. É perfeitamente legítima esta turbulência.

 

 

Sabemos que a dor é comum a todos os seres vivos. É um mecanismo de sobrevivência. Funciona como um sistema de alerta que é accionado quando algo está errado e possa comprometer a integridade física e/ou emocional. Se não sentíssemos dor não estaríamos vivos. Podemos classificar a dor em duas categorias 1. Dor Aguda é consequência do trauma, do ferimento, do insulto e pode ser reciclada, de duração limitada, através de um efeito curativo e transformador de competências (experiencia empírica). Aprende-se com isso, a vida continua 2. Dor Crónica persiste no tempo para além do fortuito produzindo sofrimento frequentemente intolerável capaz de assumir diversos tipo de manifestações físicas e/ou psicológicas. A Dor Crónica compromete seriamente a qualidade de vida.