Mudança de mentalidades e cultura
Uma notícia no Jornal de Noticias (20/10/2011) com o título “IDT (Instituo da Droga e Toxicodependência) esvaziado do tratamento da droga” despertou a minha atenção. Segundo o secretario de Estado Adjunto da Saúde, Leal da Costa, citado pela Lusa, afirmou “…no âmbito da administração central aprovada pelo Governo, o Instituto da Droga e da Toxicodependência vai ser transformado numa direcção-geral: Serviço de Intervenção dos Comportamentos Aditivos e Dependências (SICAD).”
Independentemente do que é que estas afirmações possam representar na prática, sabemos que a palavra da maioria dos políticos é duvidosa, o motivo de júbilo da minha parte, é só e simplesmente, pela mudança “gigantesca” (transformação) no conceito Toxicodependência versus Comportamentos Adictivos e Dependências. Aparentemente, parece haver vontade política em mudar a mentalidade e a abordagem, bem-vindo SICAD.
Desde 1993 procuro compreender, sem sucesso, a abordagem institucionalizada do tratamento da Toxicodependência em Portugal. Por exemplo, ainda existem profissionais a fazer psicanálise a indivíduos alcoólicos e a dependentes de drogas no activo, existem algumas instituições cuja abordagem ao tratamento é retrógrada, psicólogos e psiquiatras sem treino na área das Dependências, e alguns médicos passam receitas de medicamentos adictivos (por ex. benzodiazepinas) para indivíduos dependentes, sem que se faça um diagnóstico sobre a doença, inevitavelmente, este tipo de procedimento acaba por agravar ainda mais o quadro da dependência.
Paralelamente, ao meu fracasso, procuro alterar esta mentalidade generalizada (cultura), na prevenção e tratamento designada “Toxicodependência” visto considerar que termo desactualizado, retrógrado, repleto de estigma e falso moralismo. Recuso a utilizar esta terminologia nas consultas, nas acções de formação, na participação em workshops, etc. A utilização generalizada e institucionalizada do conceito “Toxicodependência” visa culpar, castigar, humilhar, envergonhar, o toxicodependente e a família, afim de que o individuo drogado se cure do seu problema moral - comportamento desviante. Não consigo enquadrar o comportamento desviante, no tratamento clínico da doença da Dependência (Adicção às Substâncias Psicoactivas Ilícitas, incluindo o álcool, e/ou as Ilícitas). Na minha opinião, comportamento desviante, possui uma carga negativa de falso moralismo, apoiado na culpa e na vergonha do drogado marginal (cultura). Na nossa sociedade, drogados são marginais e delinquentes, aqueles indivíduos, com problemas de drogas, que vestem fato e gravata já recebem tratamento diferente.
Segundo o Dr. Alan Marlatt devemos aplicar no tratamento das Dependências “A compaixão pragmática em vez do idealismo moralista.”
Ao contrário da Toxicodependência e do drogado/bêbado, na doença Adicção não existem culpados. Podemos fazer a analogia com as diabetes. O indivíduo diabético é culpado pela sua doença? Não. A dependência das substâncias psicoactivas lícitas, incluindo o álcool, e as ilícitas é uma doença. Não são as pessoas que escolhem ser dependentes. Acompanhei mais de 700 casos e ninguém manifestou o desejo de ficar dependente de substâncias psicoactivas lícitas, incluindo o álcool e/ou ilícitas. No Manual de Diagnostico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM- IV) a classificação utilizada, com base em critérios, no diagnóstico é designado de Perturbação Relacionadas com as Substâncias e Dependência de Substâncias.
Com o devido respeito pelas instituições existentes e aos profissionais dedicados, Portugal está atrasado duas décadas, na prevenção, na intervenção, no tratamento da Toxicodependência e Alcoolismo. Só muito recentemente se introduziu o conceito de Recuperação das Dependências, creio que ainda muitos profissionais utilizam este termo, mas não sabem o que isso significa na realidade. Durante as últimas duas décadas utiliza-se o termo drogado, bêbado, viciado, “cura” e “curado”. Nas universidades portuguesas, publicas e privadas, de norte a sul do país ainda não existe qualquer tipo de investimento sério na educação e investigação nas Dependências da Adicção, vulgo Toxicodependência, assim como, no Alcoolismo. Como é que isso se explica quando sabemos que o abuso do álcool (consumo problemático) e o alcoolismo é um problema de saúde pública, em Portugal?