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Recuperar das Dependências (Adicção)

Contra o estigma, a negação e a vergonha associados aos comportamentos adictivos. O silêncio não é seguramente a melhor opção para a recuperação; ninguém recupera sozinho.

Recuperar das Dependências (Adicção)

Contra o estigma, a negação e a vergonha associados aos comportamentos adictivos. O silêncio não é seguramente a melhor opção para a recuperação; ninguém recupera sozinho.

Quebrar o silêncio disfuncional

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Existem palavras poderosas que mudam as pessoas, para melhor. É através das palavras que quebramos o silêncio disfuncional da negação e da vergonha.

Não basta sobreviver é preciso ir mais além

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A genialidade humana reclama que não estejamos limitados a sobreviver, mas que sejamos inovadores e resilientes na arte de bem viver.

Crise e mudança

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A crise e a mudança, para melhor, andam de mãos dadas.

Entre o medo de comer e a vontade de comer demais

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Sofri de anorexia-bulímica durante 20 anos, até ao dia em que decidi procurar ajuda psiquiátrica (Outubro de 2017). Isto significa que passei mais de metade da minha vida a lutar contra duas doenças que fragilizaram fisiológica e psicologicamente durante as fases mais importantes da vida em termos de desenvolvimento pessoal – a adolescência e a primeira década da idade adulta. Já tinha 34 anos quando recorri a ajuda especializada.

Três meses depois de começar o tratamento – medicação e terapia – já me sentia mais capaz de me manter fiel a uma promessa que nunca sei se será para sempre: não praticar atos de compulsão alimentar seguidos de purga e não fazer restrição alimentar. Não é fácil abandonar por completo um vício que alimentei durante tanto tempo, pois os meus distúrbios alimentares, por muita dor física e emocional que me causassem, sempre foram a forma dominante de preencher um vazio interior que sempre senti.

Já tive recaídas desde então, mas isso não significa que fracassei, mas sim que ainda estou num processo de construção de auto controlo que me permita viver além deste vício e da fobia de engordar.

A dificuldade não está em decidir tratarmos-mos, mas sim em nos mantermos empenhados em cumprir essa resolução, por muito que nos custe dar esse salto de fé. Os meus distúrbios alimentares têm na sua base um transtorno de ansiedade crónico, posteriormente diagnosticado. Todos temos coisas dentro de nós por resolver e que nos causam ânsias, mas o importante é mantermos o foco no presente que podemos controlar e na construção de um futuro mais saudável e livre de fobias e vícios que nos impedem de viver plenamente.

Visite a pagina da Joana no facebook Tripolaridades - Ansiedade, Anorexia, Bulimia

Joana Marques

Comentário: Muitos parabéns Joana, por ter decidido quebrar o ciclo vicioso da doença e pedir ajuda, iniciando assim a recuperação, um dia de cada vez. Parabéns por lutar contra o estigma, a negação e a vergonha associados às perturbações do comportamento alimentar através da pagina do facebook. Obrigado por participar com a sua historia no blogue recuperar das dependencias. Recuperar é que está a dar, sucessos e tudo de bom!

Presos um ao outro, sem soluções

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“Foi com muito gosto que fiz a partilha. Fui codependente numa relação que durou alguns anos. O meu ex e já falecido marido, era toxicodependente e alcoólico e eu não conseguia libertar-me das amarras emocionais que me prendiam a ele. Só quando engravidei, o meu filho é que reuni forças para acabar definitivamente com a relação. Até então, eu não vivia, só sobrevivia, mas com o nascimento do meu filho, renasci de novo apesar de ainda restarem sequelas e traumas que por vezes afloram e se manifestam sob a forma de depressões. Mas hoje sou mais forte, gosto de mim e da minha própria companhia.  Por tudo isto, sinto-me muito feliz quando de algum modo, ajudo a quem sofreu ou sofre de dependências. Abraço, Maria (nome fictício)

Comentário: Obrigado Maria, pelo seu relato e parabéns por ter redirecionado a sua vida, para melhor.

Nos últimos anos, as notícias de violência doméstica, oriunda da co dependência, têm servido de manchete nos media, com vítimas inocentes. É um fenómeno transversal na sociedade, todos nós sabemos da sua gravidade, mas algumas tradições culturais disfuncionais ainda teimam em resistir, por exemplo, o ditado popular, “entre marido e mulher, ninguém mete a colher”. Para agravar mais o cenário, já de si trágico, as consequências da violência doméstica, afeta e alastra a todos os membros da família, incluindo os filhos e restante família. Crianças e/ou jovens que perdem os pais nas circunstâncias mais trágicas e eles próprios vítimas do trauma, do estigma e a da vergonha. Alguns deles, na idade adulta, vão ter relacionamentos com parceiros em que a violência fará parte da herança familiar.

 

 

 

O poder da escolha pessoal

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  • «Estou cansado de chorar,
  • Estou cansado de gritar,
  • Estou cansado de estar triste,
  • Estou cansado de fazer de fingir,
  • Estou cansado de estar só,
  • Estou cansado de estar zangado,
  • Estou cansado de sentir que estou louco,
  • Estou cansado de sentir que estou preso,
  • Estou cansado de sentir que preciso de ajuda,
  • Estou cansado de saber o que tenho que fazer,
  • Estou cansado de perder oportunidades,
  • Estou cansado de sentir que sou diferente,
  • Estou cansado de perder pessoas,
  • Estou cansado de sentir que não tenho valor,
  • Estou cansado de sentir um vazio dentro de mim,
  • Estou cansado de sentir que não consigo libertar-me,
  • Estou cansado de pensar que gostava de voltar atrás e começar tudo outra vez,
  • Estou cansado com a vida, que gostava, mas que nunca irei ter,
  • Acima de tudo, estou cansado de estar cansado.» Autor anónimo

Este texto reflete um rol de problemas na vida do individuo. Reflete a frustração, a desilusão, o remorso e a ausência de esperança. Reflete a impotência, característica daqueles que sofrem sintomas (físicos e psicológicos) da adicção activa, seja a substâncias psicoactivas do sistema nervoso central, vulgo drogas lícitas e/ou ilíctas, seja a comportamentos adictivos (jogo, compras, sexo, dependência emocional, internet/redes sociais, perturbação do comportamento alimentar). A impotência, incapacidade do individuo em controlar a adicção, é por si só uma fonte inesgotável de dor e sofrimento.

 

 

 

As desculpas e as racionalizações mais engenhosas e os super poderes

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«A recuperação começa quando interrompemos as desculpas frequentes e iniciamos a mudança de atitudes e comportamentos» Detox Concierge, April Grisham

Os Comportamentos Aditivos (sexo, jogo, shoplifting, dependência de drogas, abuso do álcool, compras, trabalho, dependência emocional, distúrbio alimentar) na sua génese caracterizam-se pela perda do controle do comportamento (padrão de insanidade/crises exacerbadas), esforços repetitivos para interromper o comportamento compulsivo/problema (e as consequências negativas) falham repetitivamente. Qualquer pessoa, independentemente do seu estatuto social, pode desenvolver a compulsão, padrão repetitivo, associado aos comportamentos adictivos. Algumas pessoas mais vulneráveis, apresentam a adicção cruzada (comorbilidade) desenvolvem várias adicções; por exemplo, jogo patológico e a dependência de drogas/abuso de álcool, dependência emocional e a dependência de drogas, lícitas (medicação sujeita a receita medica – benzodiazepinas), distúrbio alimentar e a dependência de drogas/abuso de álcool.  Quando contemplamos a compulsão e a perda de controlo, no tratamento da adicção, precisamos também de contemplar, o contexto social (fatores/forças externas) em que o individuo está inserido, assim como o seu percurso de vida, através de rotinas, sistema de crenças, hábitos e relacionamento com pessoas. Na adicção activa, o dia-a-dia, do individuo gira em torno da compulsão e da perda do controlo. É um processo insidioso de tentativas frustradas, angustias, de interrupções temporárias, de justificações, autoengano e frustração, alibis geradores de ansiedade, angustia, depressão e isolamento (segredos) onde também podemos acrescentar problemas familiares, de saúde, profissionais e problemas em outras obrigações sociais. De notar, que este mecanismo psicológico de defesa de justificações, racionalizações e desculpas não é identificado, unicamente, no individuo adicto, o ser humano, ao longo da vida, também adota esta abordagem diante alguns problemas mais complexos. Todavia, quando se trata da recuperação da adicção isso implica identificar esse sistema de crenças, hábitos, rotinas e encontrar motivação para mudar de atitudes e comportamentos.  Perante a adversidade, se o silencio (incapacidade de abordar o comportamento problema) é sinonimo de negação ou vergonha, são necessárias medidas honestas e concretas a fim de quebrar o processo repetitivo e compulsivo. 

 

Possuímos super poderes, por vezes ocultos, que aguardam para ser despertados

Seja qual for o comportamento adictivo, hoje sabemos que existe a esperança quanto ao tratamento, é possível interromper a progressão da adicção activa e iniciar a recuperação. O conceito de recuperação a que faço questão, está intrinsecamente relacionado com um estilo de vida mais gratificante e pleno, através da mudança de atitudes e comportamentos (sistema de crenças negativas, tomada de consciência, relações de ajuda). Recuperação consiste no desenvolvimento de uma atitude proactiva ( o individuo é o agente de mudança), na re-aprendizagem de competências, na possibilidade de materializar sonhos/ambições pessoais e relacionamentos com outras pessoas que de outra forma jamais seria possível concretizar. A natureza da evolução humana concedeu-nos um sentido (instinto) que perante a adversidade nos impele a agir e a reagir (exemplo, sobrevivência) e nesse sentido podemos utilizar este recurso na aceitação, na honestidade e na motivação necessários para enfrentar a compulsão da adicção. Ao longo de duas décadas em trabalhar na área dos comportamentos adictivos, acompanhei, até à data de hoje, aproximadamente 1000 indivíduos e confirmo, todos são unânimes em afirmar, de acordo com o seu instinto, que 1. Estão em sofrimento devido à adicção 2. Querem interromper o comportamento problemático/compulsão 3. É necessário a mudança de atitudes e comportamentos 4. E precisam de esperança.

Recuperar é autoconhecimento

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Em 2015 o Professor David Best e colegas da Universidade de Sheffield Hallam, Inglaterra, em parceria com a Action on Addiction conduziram o primeiro questionário sobre a recuperação da adicção - dependência de substâncias psicoativas do Sistema Nervoso Central, vulgo drogas, lícitas e/ou ilícitas. Os participantes no estudo incluíam indivíduos do sexo masculino (53%) e indivíduos do sexo feminino (47%) que atualmente residem em Inglaterra. 74% dos participantes, dependentes de outras drogas, afirmaram estar também em recuperação do alcoolismo. O questionário abrangente contemplou varias áreas da vida dos indivíduos:

  • Relacionamentos, educação, emprego
  • Saúde e bem-estar
  • Tipos de adicção
  • Recuperação (duração, abstinência)
  • Envolvimento em tratamento e/ou participação em grupos de ajuda mutua
  • Área financeira
  • Família e vida social
  • Justiça/questões legais

De acordo com os resultados do questionário os indivíduos afirmaram ter um historial de dependência de substâncias psicoativas (adicção) de 20.4 anos. De salientar que os indivíduos dependentes de álcool apresentaram uma tendência para serem admitidos, em tratamento (receber apoio profissional - meia idade, 40 e os 65 anos), em faixas etárias diferentes, dos indivíduos dependentes de substâncias psicoativas, licitas e/ou ilícitas (drogas).

- O tempo/duração da recuperação do grupo dos intervenientes ronda os 8.3 anos

- Os indivíduos do sexo feminino revelam um historial diferente, quanto ao tempo que permanecem dependentes de substancias psicoativas, comparativamente aos indivíduos do sexo masculino, 17.7 (feminino) vs. 22.4 anos (masculino). Os indivíduos do sexo feminino iniciaram a recuperação mais cedo, comparativamente aos homens – 37.2 vs. 39.2 anos.

- 65% dos participantes consideram que continuam em recuperação, enquanto 7% considera estar recuperado, vulgo curado.

- 70% afirma ter participado, pelo menos uma vez, numa reunião dos grupos de ajuda mutua, por exemplo, dos Narcóticos Anónimos, Alcoólicos Anónimos e SMART Recovery.

- 69% afirma ter recebido apoio profissional/tratamento.

- 51%. afirma ter sido sujeito a medicação prescrita pelo medico.

Conclusões

Os autores do estudo, admitem serem defensores do conceito de recuperação das dependências de substancias psicoactivas lícitas e/ou ilícitas, concentrando assim os seus esforços, principalmente, sobre os efeitos positivos da recuperação:

  • Redução acentuada, na colocação dos filhos de pais dependentes de substâncias psicoativas em recuperação, em instituições de apoio à criança, assim como, em relação ao reagrupamento/estrutura familiar apresentam resultados positivos concretos.
  • O índice de violência domestica, em indivíduos adictos ativos calcula-se entre os 39%, enquanto a mesma taxa entre os indivíduos em recuperação calcula-se entre os 7%, uma diferença significativa de 32%.
  • Aumento da empregabilidade, segundo o relatório do estudo, 74% dos indivíduos em recuperação permanece durante longos períodos no local de trabalho e 70% afirma pagar impostos, as suas dividas, assim como, voltam a ter acesso ao crédito, por exemplo, em instituições bancarias. 
  • Apresentam taxas reduzidas de problemas com a justiça, por exemplo; prisão. Aqueles indivíduos em recuperação, de longa duração, gradualmente deixam de se envolver em actividades ilícitas.
  • A conclusão final dos autores, sobre este estudo, reforça que a recuperação das dependências de substancias psicoactivas, licitas e/ou ilícitas, vulgo drogas, não se resume somente à interrupção dos comportamentos problemáticos e ao consumo de drogas, visa também a adoção de estilos de vida responsáveis e positivos em prol do autoconhecimento (selfcare) e da sociedade.
  • 79.4% dos participantes no estudo, após terem iniciado a sua recuperação, refere ter participado em ações de voluntariado na comunidade e participado em grupos cívicos.