Contra o estigma, a negação e a vergonha associados aos comportamentos adictivos. O silêncio não é seguramente a melhor opção para a recuperação; ninguém recupera sozinho.
Contra o estigma, a negação e a vergonha associados aos comportamentos adictivos. O silêncio não é seguramente a melhor opção para a recuperação; ninguém recupera sozinho.
Este texto, enviado pela Renata, veio no seguimento de uma publicação no Facebook onde solicitei o envio de experiências de adultos, que tenham tido pais com problemas de álcool e/ou drogas ilícitas. Eis o relato da Renata.
“Tenho um pai e uma irmã que bebem todos os fins de semana, e às vezes, no meio da semana. Vivem dizendo que é normal, e que, como todos fazem , que mal tem ? Mas percebo a incoerência nas atitudes, no modo de vida maquiado como normal, porém completamente fora do contexto. Percebo atitudes completamente diferentes do "viver em conjunto" o álcool ou a adicção retirou deles o pé do chão, como se estivessem literalmente voando ou como se vivessem em outro mundo sendo o convívio muito difícil dado ao fato que podemos ser diferentes mas precisamos concordar em conectar.
Não há dessas pessoas o menor interesse em saber sobre isso ou parar esse processo...sou adicta e “limpa” e esses familiares precisam de ajuda mas talvez a única maneira de ajudá-los seja ficando bem longe!
João, acabo de expor-lhe minha realidade e tem a ver com o post sobre familiares adictos!
Obrigada”
Renata Ramos
Nota: Todos os dados foram preservados com a devida autorização da autora. Contra a contra o estigma, a negação e a vergonha. Bem-haja Renata
Comentário: Tal como a Renata refere, a estrutura familiar aparenta estar afectada pelo álcool. Segundo alguns estudos, nos EUA, referem:
Os filhos de pais alcoólicos estão mais vulneráveis ao risco de desenvolverem problemas com substâncias psicoactivas – abuso e dependência.
Os pais que apresentam problemas com álcool e/ou outras drogas podem influenciar os comportamentos dos seus filhos. O consumo e o abuso de drogas, incluindo o álcool, podem ser considerados permissivos entre a família, incluindo as crianças.
As famílias afectadas pelo álcool e/ou outras drogas estão mais propensas ao conflito, comparativamente, aquelas famílias que não estão expostas ao problema do álcool e/ou drogas. Os problemas na família giram em torno do consumo e do abuso de substâncias psicoactivas.
O ambiente familiar disfuncional, relacionado com o álcool e/ou outras drogas, propicia a negligencia das crianças e a falta de comunicação entre os seus membros; referências parentais, os papéis na estrutura e dinâmica da família e a gestão de conflitos.
Alguns problemas identificados nas famílias com problemas de álcool e/ou outras drogas: Tendência para o incremento do conflito familiar, violência física e emocional, redução da coesão e da organização familiar, stress e isolamento, problemas de saúde e no trabalho, problemas/ conflitos conjugais e financeiros, mudanças drásticas na estrutura familiar, incluindo as crianças.
O seu pai e/ou mãe tem um problema com álcool? Ou drogas? Caso você seja filho/a de pais alcoólicos ou dependentes de drogas ilícitas escreva um pequeno texto sobre a sua experiência a fim de ser publicada no meu blogue. Pela minha experiência profissional de duas décadas e apesar de não existir estudos sobre este tema, existem em Portugal centenas, de filhos de pais alcoólicos ou dependentes de drogas, hoje adultos, que ainda sofrem em silêncio o trauma, o estigma e a vergonha. Recuperar É Que Está A Dar
Importante: Todos os dados são confidenciais. Sigilo total
Apresento alguns excertos das pessoas, que diariamente procuram a motivação necessária, a fim de recuperarem a dignidade, a estima e a esperança num mundo em constante mudança. Todos nós, estamos expostos e vulneráveis às mais diversas condições adversas e ao invés de ser a adversidade a definir o rumo das nossas vidas, pelo contrário, somos nós seres fantásticos e resilientes que decidimos romper com aquilo que nos prende à dor e ao sofrimento.
No aconselhamento, as pessoas são o mais importante: os seus falhanços são os meus falhanços e os seus sucessos também são os meus sucessos. Ambos partilhamos esta aventura, porque o aconselhamento só é eficiente se o/a terapeuta e o cliente estiverem em sintonia, na relação terapêutica de confiança, com o mesmo propósito - recuperação.
Importante: Todos os dados foram alterados de forma a proteger a identidade das pessoas e qualquer semelhança é pura coincidência.
- Durante a consulta com a Natália, 39 anos (nome fictício – dependência emocional), abordamos a questão da intimidade nos relacionamentos românticos de compromisso: a química do amor (êxtase e o desassossego, vulgo paixão) e o amor duradouro (intimidade e o compromisso). Ela afirmava, com legitimidade, que a fim de manter o relacionamento duradouro é necessário haver entre os parceiros tempo para amar, sem este tempo a relação pode deteriorar-se.
Nota: Sabia que a novidade e o inesperado, por exemplo, quebrar a rotina e fazer coisas fora do comum, mantêm o amor duradouro. Não me estou a referir à paixão
- Durante a consulta com o Daniel, 25 anos (nome fictício – problemas com o Jogo), abordamos alguns factores que contribuem para o jogo compulsivo; 1. Jogar (curiosidade, correr riscos e o perigo inerente das apostas). 2. Gestão de sentimentos desconfortáveis, quebrar o tédio, a ansiedade e o aborrecimento 3. Recompensa (prazer intenso) e oscilações bruscas do humor.
Nota: Sabia que ganhar dinheiro não é o mais importante? O mais importante é jogar e apostar.
- Durante a consulta com a Anita, 38 anos (nome fictício – problemas com o álcool) e os seus pais abordamos os problemas associados ao álcool e o estigma social. A vergonha de expor o problema e pedir ajuda é tão doloroso que optaram por negar as evidências e as consequências negativas. Durante 10 anos não se falou sobre o assunto, inclusive, com outros membros da família. Afirmaram "Sentíamos que ninguém nos compreendia, pelo contrário, conscientemente, optamos pelo silêncio e pelo isolamento."
Nota: Sabia que o álcool é uma droga e que o alcoolismo é um problema de saúde publica?
O individuo dependente de drogas, incluindo o álcool, gradualmente sofre alterações neurobiológicas, associado às estruturas do cérebro responsáveis pela recompensa e prazer como consequência do consumo frequente de substâncias psicoactivas. Estas alterações são responsáveis pelo craving (vontade irresistível e intensa em voltar a consumir a droga de escolha) incapacitando o individuo de se manter abstinente.
Muitos indivíduos dependentes de drogas, incluindo o álcool, tentaram inúmeras vezes interromper e parar o abuso das substâncias psicoactivas do Sistema Nervoso Central, que podemos designar «tentativas caseiras» sem apoio profissional. Alguns são bem sucedidos, outros não, todavia segundo alguns estudos nos EUA, revelam que a grande maioria dos indivíduos que fizeram essas tentativas (caseiras) não conseguiram permanecer em abstinência durante longos períodos de tempo.
Um dos sintomas mais comuns associados ao abuso e à dependência de drogas, incluindo o álcool, e o jogo é:
1. Drogas: continuar a usar e a justificar apesar das consequências negativas, "É só mais uma vez..."
2. Álcool: continuar a beber e a justificar, apesar das consequências negativas, "É só mais um copo..."
3. Jogo: continuar a jogar e a justificar o comportamento problemático apesar das consequências negativas, "Vou jogar mais uma vez, para recuperar o dinheiro perdido."
Relacionamentos de intimidade e a adicção: Como é que posso mudar o meu parceiro que está doente? Não pode, mas pode mudar o seu comportamento e as dinâmicas da relação.
Ao contrário daquilo que se pode pensar, a maior grande parte dos indivíduos dependentes de substâncias psicoactivas, lícitas e/ou ilícitas, vulgo drogas, ou comportamentos adictivos, por exemplo, jogadores compulsivos e adictos ao sexo não são pessoas que vivem isolados da sociedade, não são sem-abrigo, não estão todos hospitalizados ou internados em centros de tratamento, pelo contrário, têm as suas esposas/maridos, famílias e filhos, carreiras profissionais, e apesar do estigma e da negação, são indivíduos activos no trabalho e mais ou menos integrados na sociedade. Por falta de informação sobre a adicção e o impacto na família e na comunidade (sociedade) temos a tendência para negar as evidências; as coisas têm o valor que nós decidimos que elas tenham.
São homens e mulheres adictos que têm os seus parceiros; namorados/as ou esposas/maridos. Na maioria dos casos, as esposas/maridos e/ou namorados/as sabem da existência do problema no parceiro/a, ou pelo menos, apesar de falta de conhecimento ou informação, têm a consciência de que algo não está bem e que é preciso mudar. Infelizmente, devido à complexidade dos relacionamentos e da adicção não sabem como faze-lo, por causa de vários factores. Um deles é gerarem vínculos que reforçam os seus papéis de zeladores e cuidadores. Isto é, assumem o poder e a responsabilidade de zelar pelo parceiro/a. Eles e elas adaptam as suas rotinas do dia-a-dia às vicissitudes e à adversidade (comportamento problema) relacionada com o impacto da adicção na relação, vivendo num estado eminente de ambivalência, alerta e preocupação. Afinal, no universo das relações, quem é que não tem problemas sobre o comportamento do marido? Da esposa? Do namorado? Da namorada? Todos nós. Contudo, nesta situação especifica da adicção, o problema, para além de se agravar e afectar gravemente os afectos, paradoxalmente, também pode ser atenuado, compreendido e/ou resolvido. A questão é: Como.
Leia com atenção e responda a estas três questões:
1. Você tem um relacionamento com uma pessoa dependente de drogas? Ou álcool? Ou Jogo compulsivo? Ou adicção ao sexo? Se a resposta é sim, reflicta sobre estas questões:
Você castiga a pessoa dependente? Por exemplo, você grita (explosões irracionais de raiva e ressentimento), ridiculariza, ameaça, humilha em frente aos filhos, à família e às outras pessoas.
Faz questão de dizer às outras pessoas que o seu familiar/parceiro/a dependente é um/a falhado/a.
Ignora (longos períodos de silêncio e indiferença) a pessoa dependente. Faz frequentemente ameaças que o/a vai deixar de uma vez por todas.
10 Questões importantes para reflectir sobre as dependências de drogas, incluindo o álcool, e o jogo patológico.
1. De acordo com estimativas das Nações Unidas (United Nations Office on Drugs and Crime - UNODC) existem mais de 10 milhões de pessoas dependentes de heroína no mundo. Em cada 1.000 consumidores de heroína, 2,6 morrem, por exemplo, de overdose. A heroína é uma substancia psicoactiva extremamente adictiva.
2. Sabia que o abuso de drogas, incluindo o álcool, distorce a percepção da realidade. As pessoas podem revelar-se irracionais, excêntricas e excessivamente desinibidas. Em alguns casos, podem revelar-se violentas.
3. Associado ao abuso e à dependência de drogas, incluindo o álcool, o individuo é sujeito à oscilação acentuada das suas emoções que podem variar entre o ódio e a euforia, do entusiasmo à apatia. Por exemplo, é frequente o individuo dependente, estar triste e apático, e ao consumir drogas, incluindo o alcool, proporciona a si mesmo uma sensação de felicidade, apesar de ser efémera.
4. Para um individuo dependente de drogas, incluindo o alcool, e o jogo patológico revela-se extremamente difícil ter a percepção sobre os efeitos e as consequências negativas dos seus comportamentos. A dependência é a causadora da maioria dos fracassos e da frustração tornando assim a vida insuportável e em alguns casos mais extremos pode revelar-se caótica. Quanto mais dificuldades, maior será a necessidade de recorrer ao comportamento problemático associado às dependências – abusar de drogas, incluindo o álcool, e/ou jogo patológico.
5. No início do consumo de drogas ilícitas, estas intensificam a actividade; mais concentração, mais desinibição, bem-estar e alívio. Gradualmente, na dependência as drogas suprimem a actividade; menos concentração e perda de memória, mais desadequação e constrangimento, desconforto físico e psicológico.
6. Dependência de drogas incluindo o alcool.
Você sofre da síndrome de abstinência, vulgo ressaca?
Os sintomas de ressaca surgem quando o individuo abusa das substâncias psicoactivas, do sistema nervoso central até à intoxicação. Os sintomas da ressaca estão associados à frequência, à intensidade e à duração do abuso das drogas, incluindo o álcool.
7. Benzodiazepinas: medicamentos tranquilizantes e/ou ansiolíticos sujeitos a receita medica. São substâncias que geram dependência física e psíquica. Caso o abuso seja continuado, a interrupção abrupta representa um risco grave para a saúde. Algumas pessoas dependentes de benzodiazepinas são também dependentes de álcool e/ou outras drogas ilícitas (adicção cruzada) - uso concomitante de substâncias.
8. Sabe o que são os analgésicos? São drogas poderosas que interferem com a transmissão de sinais eléctricos do sistema nervoso central pela qual entendemos e percebemos a dor. A maioria dos analgésicos estimula as partes do cérebro associadas ao prazer. Se toma medicação siga a prescrição do seu médico. Não faça auto medicação.
9. Alguns efeitos do abuso do álcool e/ou dependência: descoordenação motora, perda da concentração e da memória, danos cerebrais, depressão e doenças do fígado (cancro). O abuso do álcool e a dependência afectam seriamente as relações pessoais; família, trabalho, sociais.
10. A dependência de drogas, incluindo o álcool, e o jogo afectam seriamente o desempenho e os relacionamentos profissionais; abstenção laboral, perda de memória e concentração, negligencia, falta de ética profissional, conflitos com colegas e entidade patronal.
Este artigo foi publicado no Jornal de Negócios (17 de Fevereiro de 2014)e está disponível só para assinantes online , nesse sentido, disponibilizo-o para si que é seguidor do blogue Recuperar das dependencias.
Jornal de Negócios: Nos últimos anos, o volume de jogos de fortuna e azar e apostas desportivas foram aumentando quer em locais físicos, mas como através da Internet. Esse crescimento foi acompanhado pelo registo de incremento de pessoas com adicção de jogo?
O incremento de pessoas com adicção ao jogo e o jogo patológico, através da internet tem sido exponencial. Por exemplo, no final dos anos 90 a maioria dos indivíduos adictos ao jogo, em casinos, eram adultos na casa dos 40 e dos 50 anos. Hoje em dia através do acesso online, chegam às consultas indivíduos com problemas associados ao jogo com idades entre os 24 e os 30 anos. Todavia, isso não quer dizer que todos sejam adictos ao jogo, isto é, alguns são indivíduos com problemas associados ao jogo que varia entre moderado e grave. Na sua pergunta refere adicção, nesse sentido, importa saber o que é a adicção. A adicção afecta a saúde do indivíduo, os vínculos familiares, incluindo das crianças, o desempenho profissional e a qualidade de vida. Ser adicto não é uma escolha pessoal. Ao longo de vinte anos de experiência profissional, na área da adicção, nunca ouvi nenhum individuo afirmar que escolheu ser adicto. Não é um acto voluntario, o individuo perde o controlo, a compulsividade, o craving (desejo intenso e irracional pela actividade) e continuação do comportamento apesar das consequências negativas. A Sociedade Americana da Medicina da Adicção define a adicção como uma doença primária, crónica que interfere e afecta o sistema/estrutura do cérebro responsável pelo prazer e recompensa, pela motivação e memoria e os circuitos neuronais adjacentes. Sabemos que uma alteração e disfunção destes circuitos neuronais conduzem ao aparecimento de sintomas a nível biológico, psicológico, social e espiritual no indivíduo, que se reflectem na busca e recompensa patológica do prazer. Por outras palavras, a adicção funciona como uma “almofada” perante determinadas situações e adversidades ao longo da vida do indivíduo. Este fenómeno repete-se com a adicção às substâncias psicoactivas lícitas, incluindo o álcool, as ilícitas, vulgo drogas, com o jogo, o sexo, as compras, o furto. A fim de ficar esclarecido existe um critério que identifica o jogo problemático (moderado a severo) e um critério para a adicção (doença primária e crónica). A adicção não é um vírus.
Segundo estudos (American Medical Association, EUA, 2000) existem factores genéticos em comum entre os indivíduos jogadores patológicos do sexo masculino e o álcool. Todavia, também gostaria de referir que nas últimas duas décadas, com os avanços tecnológicos e a investigação, principalmente nos EUA e Canadá, ainda estamos a aprender sobre o que é a adicção; as causas, a identificar aqueles indivíduos mais vulneráveis e os tratamentos disponíveis mais adequados.
Jornal de Negócios: É possível traçar o perfil do jogador compulsivo?
Segundo uma investigação no Canadá, os indivíduos com problemas associados ao jogo compulsivo (patológico) apresentam quatro vezes mais probabilidades de serem diagnosticados com doença mental, relacionado com perturbação do humor e ansiedade, do que os indivíduos não jogadores. A actividade associada ao jogo começam na adolescência, com mais prevalência no sexo masculino do que no sexo feminino.
Na minha experiencia profissional o perfil do individuo jogador compulsivo oscila entre os 24 e os 56 anos. Sexo masculino, classe media/alta, licenciados com carreiras profissionais estáveis, trabalham em excesso, têm dívidas, gostam de quebrar regras e correr riscos, são impulsivos e egocêntricos. Acreditam que o dinheiro é a causa e/ou a solução para os seus problemas. Alguns deles afirmam, em situações de desespero, ideações e tentativas de suicídio. Alguns destes indivíduos são oriundos de famílias desestruturadas com problemas de álcool, jogo e violência doméstica.
A recuperação da adicção é um processo para o resto da vida.
Após as noticias recentes sobre o falecimento do actor de Hollywood, Philipe Seymour Hoffman vítima de overdose de drogas ilícitas, intoxicação que ocorre quando o individuo consome uma determinada quantidade de droga que os sistemas vitais do organismo são impedidos de funcionar adequadamente, veio levantar a questão sobre a importância da abstinência, da recuperação da adicção e da recaída.
Philipe Seymour Hoffman permaneceu abstinente durante 23 anos consecutivos. Se o actor faleceu aos 47 anos, fazendo as contas, parece ter iniciado a recuperação com 24 anos. Iniciar a recuperação com esta idade, por si só é um feito extraordinário, mas por outro lado, revela, desde cedo e ao longo do seu desenvolvimento, um individuo vulnerável (predisposição) aos efeitos e consequências da dependência de substâncias psicoactivas, do Sistema Nervoso Central, após duas décadas abstinente, paradoxalmente, recaiu e acabou por morrer de overdose. Não faleceu de cancro ou de doença cardíaca, mas vítima da adicção.
Já em meados de 2013, segundos os media norte americanos, Philipe S. Hoffman deu entrada num centro de tratamento para uma desintoxicação, durante dez dias, depois de ter recaído em heroína. Após ter completado o programa de desintoxicação, aparentemente parece ter voltado a frequentar as reuniões de Alcoólicos Anónimos (AA), note-se, já o fazia desde os 24 anos de idade, até 2014. Uma semana antes de morrer, foi à sua última reunião.
Este incidente, adquiriu um destaque mediático visto Philipe S. Hoffman, ser um actor galardoado com vários prémios, todavia, gostaria de transpor este caso para o cenário da dependência de drogas, da recuperação e da recaída em Portugal. Existem historias semelhantes de indivíduos adictos, em Portugal, que também permanecem períodos consideráveis abstinentes, em recuperação, mas que acabam, por um conjunto de motivos, reiniciar os consumos de substâncias psicoactivas, incluindo o álcool.
Como profissionais, quando nos deparamos com um individuo adicto a substâncias psicoactivas, vulgo drogas, devemos considerar a abstinência uma meta prioritária? A minha resposta é sim. Um individuo com um historial significativo de dependência (adicção) precisa de ajuda e recursos, a fim de repensar, sobre o seu estilo de vida e as drogas.
De acordo com a minha experiencia profissional, visto ainda não existirem estudos em Portugal sobre o tratamento, a recaída e a recuperação da adicção às drogas, o primeiro ano de abstinência é um período crucial, mas ao mesmo tempo critico para o individuo. A adicção às drogas lícitas, incluindo o álcool, e as ilícitas, interferem e comprometem o funcionamento e o desenvolvimento normal do cérebro – estruturas associadas ao prazer e recompensa, assim como a motivação, a memória e a capacidade de tomar decisões. A adicção, conforme vai evoluindo, gradualmente vai incapacitando o individuo de sentir, pensar (défices cognitivos) e tomar decisões saudáveis, ao mesmo tempo, vai deteriorando os vínculos entre as pessoas significativas; perda do controlo, síndrome da abstinência, problemas familiares e profissionais, tolerância às drogas, impotência associado ao sentimento de culpa e a vergonha, a negação e o estigma. Na perspectiva de um individuo adicto, a abstinência total de drogas é interpretada como uma privação radical, com custos psicológicos e sociais consideráveis, porque as substâncias psicoactivas, apesar das consequências negativas funcionam como uma almofada, um amortecedor, um «remédio» e representava um estilo de vida.
Generalizando, o consumo do álcool é encorajado na nossa cultura, somos seres sociais que utilizamos as bebidas alcoólicas com o intuito de «olear» a comunicação. Como profissionais, este tipo de paradigma poderá influenciar a nossa abordagem. Um individuo adicto fica incapaz de adoptar comportamentos saudáveis se consumir drogas, incluindo o álcool. Com muita frequência, escuto este tipo de comentários, entre indivíduos adictos em tratamento das drogas: «Abstinência total? O quê? Nunca mais vou usar drogas? Beber álcool? No verão… ao jantar entre amigos e beber um copo… fumar um charro de vez em quando?»
Um individuo adicto, mesmo em recuperação por longos períodos, não consegue erradicar das suas memórias as sensações e experiencias intensas de bem-estar e alivio que as drogas proporcionaram. Este estilo de vida, centrado nos efeitos das drogas, funcionava como um excelente antidoto de forma a gerir sentimentos desconfortáveis associados ao stress/tensão, ao tédio, à frustração originando uma sensação de despropósito em relação ao rumo da sua vida. A dependência psicológica das substâncias, não desaparece só porque o corpo está livre de drogas – lógica adictiva, exacerbado pelas características da personalidade. Costumo afirmar que viver dependente de drogas é uma ocupação, idêntica ao um emprego, que consome imenso tempo e energia, 24/24 horas, 7 dias por semana e 365 dias por ano. É o assunto mais importante e central na vida do individuo, mais importante até que a própria família, incluindo as crianças, a saúde, a carreira profissional, etc, etc.
Quais são os motivos que levam um individuo abstinente e em recuperação, durante 23 anos, a reiniciar o consumo?
Para manter o que temos, entregamos, em vez de controlar.
A força advém da fraqueza.
Enfrentamos a dor para ficar mais resilientes.
A luz advém da escuridão.
A independência advém da dependência.
Vivemos, o mais intensamente possível, um dia de cada vez, sabendo que um dia iremos morrer.” (tradução - autor anonimo)
Comentário: Apesar da complexidade da adicção (e do ser humano), hoje sabemos que a adicção é uma doença e podemos afirmar que existe esperança no tratamento e na recuperação.
O que é que significa a palavra Paradoxo? Segundo o dicionário da língua portuguesa é:
“Opinião contrária à comum.”
Na vida, aprendemos através da dor, que aquilo que pensamos estar certo, pode mais tarde estar errado. Perante o perigo e o risco, associado aos comportamentos adictivos, desenvolvemos um sentimento de impunidade e invencibilidade que nos embebeda, extremamente apelativo, arriscado, intenso e sedutor; “É perigoso…mas vou controlar a situação. A vida são dois dias e um é para acordar.” Na adicção activa, quando julgamos que estamos a controlar, depois em retrospectiva, aprendemos com os erros, e impotentes, concluímos que afinal a realidade é bem diferente.
Segundo o dicionário de Psicologia, de Roland Doron e Françoise Parot, o paradoxo “é uma proposição ao mesmo tempo verdadeira e falsa, que acarreta deduções contraditórias, entre as quais a razão oscila interminavelmente; dilema, círculo vicioso. “
Mais uma vez, tal como acontece na vida, vivemos entre duas linhas distintas mas que estão interligadas entre si, a ilusão e a realidade. A ilusão permite-nos fantasiar, criar e sonhar, a realidade permite-nos ser honestos, disciplinados e responsáveis. O mesmo fenómeno sucede na recuperação da adicção. A pessoa impotente, de acordo com o léxico comum, significa uma pessoa vulnerável, fraca e condenada ao fracasso. Todavia, algumas pessoas identificam a vulnerabilidade (impotência) em relação à adicção, todavia isso não é impeditivo de terem o controlo sobre as suas atitudes, comportamentos e adoptar estilos de vida saudáveis e construtivos. Por exemplo, o individuo que está abstinente de drogas, incluindo o álcool, em recuperação, é impotente perante as substâncias psicoactivas alteradoras do humor (sistema nervoso central), porém consegue ter o controlo necessário para fazer a sua vida. O individuo que é adicto ao jogo, ao sexo, distúrbio alimentar que está em recuperação é impotente perante determinados atitudes e comportamentos de risco, que reforçam a logica adictiva (compulsiva), porém consegue ter o controlo necessário para executar as mais diversas tarefas e actividades do seu dia-a-dia.
Um dos paradoxos muito comuns. Não somos a pessoa que dizemos ser ao nosso parceiro/a, ao familiar, nosso amigo/a, colega de trabalho; na realidade, somos aquilo que concretizamos; aquilo que fazemos que está certo e/ou errado. Por exemplo, empregamos palavras elaboradas e evocamos princípios, para justificar um exercício de retórica, mas aquilo que fazemos, na realidade não é coerente e íntegro.
Para si que está em recuperação da adicção integre os paradoxos da vida de acordo com o alinhamento das suas próprias convicções e princípios. Outro dos paradoxos que a maioria dos adictos, em recuperação encontra é; a recuperação da adicção é um projecto individual, todavia porém, é reforçado pela qualidade dos relacionamentos das outras pessoas. Da adicção ninguém recupera sozinho. Todos nós possuímos uma história para contar, todos nós temos problemas e a dada altura das nossas vidas precisamos de ajuda.
Dada a escassez informação para o publico em geral, acabamos por ingerir açúcar, nos mais diversos tipos de alimentos, em quantidades excessivas e nefastas para a saúde. Erradamente, recorremos ao açúcar para nos mimar e "adormecer" as nossas emoções mais dolorosas, alívio típico do stress do dia-a-dia.
O açúcar afeta e pode comprometer seriamente o funcionamento normal do cérebro e assim provocar dependência. Neste caso específico informação é poder. Veja este video interessante e reflicta sobre o assunto em família, incluindo os seus filhos. Siga o link "That Sugar Film"
Pequenos excertos de pedidos de ajuda que recebo todos os dias por email, posteriormente, foram enviadas as respectivas respostas para cada situação.
Se você identificar com alguma situação e ou comportamento em concreto pode escrever um email e solicitar apoio. A resposta será enviada o mais brevemente possível. Todos os dados pessoais foram alterados de forma a manter a confidencialidade.
A publicação destes pequenos excertos tem como propósito quebrar o ciclo disfuncional associado ao estigma, à negação e à vergonha. Na sociedade atual, é cada vez mais frequente o aparecimento deste tipo de problemas, refiro-me aos comportamentos adictivos. Por vezes, a distancia, entre pessoas com problemas adictivos idênticos, pode ser uma porta, um prédio e/ou uma mesa do escritório. A ajuda surge quando o ciclo disfuncional do silêncio é interrompido. É possível recuperar a dignidade, peça ajuda.
Pedidos de ajuda que quebram o estigma, a negação e a vergonha:
"Chamo Mario (nome ficticio) durante uma pesquisa na Internet sobre a codependência encontrei o seu blogue que me despertou o interesse. Li vários artigos do blogue e gostei. Identifico um problema serio nos relacionamentos de intimidade. Não me sinto realizada e gostada, como considero que mereço. Sinto-me atraída por homens que não disponíveis para me amar. Não foi um caso, mas já acontece há alguns, demasiados, anos. Gostaria de saber como funciona as consultas online. Agradeço desde já a sua atenção e disponibilidade.
"Chamo me João (nome ficticio) e tenho 24 anos. Desde que me conheço sempre tive problemas com a comida. A comida é mesmo um vício. Às vezes, abuso imenso e depois só me apetece vomitar. Engordei 40kgs nos últimos 2anos. Parece que não consigo parar de comer e fico super irritada comigo própria por me ter deixado chegar a este ponto. Tenho sentimentos de culpa. Preciso de ajuda. Não aguento mais este sofrimento."
"Chamo me Carlos (nome ficticio) quero pedir orientação sobre um problema que existe há anos na nossa família e que não conseguimos resolver. Um familiar, com 52 anos, tem há muitos anos problemas com álcool. Quando bebe, mesmo que sejam 3 ou 4 cervejas fica logo perturbado e torna-se agressivo. Saliento que ele não se embebeda todos os dias, mas quando o faz, duas ou três vezes por mês, conduz, já foi a tribunal por conduzir alcoolizado, já ficou sem carta de condução temporariamente, já teve que pagar multas elevadas e já cumpriu trabalho comunitário imposto pelo tribunal. Já perdeu vários empregos, aliás já está desempregado há 3 anos. Não sabemos o que fazer. A situação está a piorar cada vez mais. Precisamos de ajuda."
Chamo me Tavares (nome ficticio). Encontrei por acaso o seu blogue sobre comportamentos de adição. A minha história é a de alguém que luta e sofre com a adição pelos doces. Tenho alternado entre períodos de ser muito cuidadosa e saudável e depois como que algo se apodera de mim e perco a noção de tudo, faço muito mal a mim mesma, isolo-me e caio na compulsão. Passei por alguns traumas na vida, de entre os quais ter ficado viúva aos 28 anos, e ainda bloqueei mais. Não sei porquê este meu perfeccionismo, de querer sempre tudo perfeito, exigir de mim e dos outros aquilo que afinal é mesmo humanamente impossível...tem sido muito complicado gerir todos os meus desequilíbrios e quedas, quer seja a nível pessoal, familiar e profissional. Preciso de ajuda, por favor."
Comentário: Quebre o silêncio disfuncional, tal como aconteceu a centenas de indivíduos e famílias resilientes que conseguiram alcançar a Recuperação e um novo modo de vida. Se identifica um problema, você não está sozinho/a.