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Recuperar das Dependências (Adicção)

Contra o estigma, a negação e a vergonha associados aos comportamentos adictivos. O silêncio não é seguramente a melhor opção para a recuperação; ninguém recupera sozinho.

Recuperar das Dependências (Adicção)

Contra o estigma, a negação e a vergonha associados aos comportamentos adictivos. O silêncio não é seguramente a melhor opção para a recuperação; ninguém recupera sozinho.

Recuperar é autoconhecimento

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Em 2015 o Professor David Best e colegas da Universidade de Sheffield Hallam, Inglaterra, em parceria com a Action on Addiction conduziram o primeiro questionário sobre a recuperação da adicção - dependência de substâncias psicoativas do Sistema Nervoso Central, vulgo drogas, lícitas e/ou ilícitas. Os participantes no estudo incluíam indivíduos do sexo masculino (53%) e indivíduos do sexo feminino (47%) que atualmente residem em Inglaterra. 74% dos participantes, dependentes de outras drogas, afirmaram estar também em recuperação do alcoolismo. O questionário abrangente contemplou varias áreas da vida dos indivíduos:

  • Relacionamentos, educação, emprego
  • Saúde e bem-estar
  • Tipos de adicção
  • Recuperação (duração, abstinência)
  • Envolvimento em tratamento e/ou participação em grupos de ajuda mutua
  • Área financeira
  • Família e vida social
  • Justiça/questões legais

De acordo com os resultados do questionário os indivíduos afirmaram ter um historial de dependência de substâncias psicoativas (adicção) de 20.4 anos. De salientar que os indivíduos dependentes de álcool apresentaram uma tendência para serem admitidos, em tratamento (receber apoio profissional - meia idade, 40 e os 65 anos), em faixas etárias diferentes, dos indivíduos dependentes de substâncias psicoativas, licitas e/ou ilícitas (drogas).

- O tempo/duração da recuperação do grupo dos intervenientes ronda os 8.3 anos

- Os indivíduos do sexo feminino revelam um historial diferente, quanto ao tempo que permanecem dependentes de substancias psicoativas, comparativamente aos indivíduos do sexo masculino, 17.7 (feminino) vs. 22.4 anos (masculino). Os indivíduos do sexo feminino iniciaram a recuperação mais cedo, comparativamente aos homens – 37.2 vs. 39.2 anos.

- 65% dos participantes consideram que continuam em recuperação, enquanto 7% considera estar recuperado, vulgo curado.

- 70% afirma ter participado, pelo menos uma vez, numa reunião dos grupos de ajuda mutua, por exemplo, dos Narcóticos Anónimos, Alcoólicos Anónimos e SMART Recovery.

- 69% afirma ter recebido apoio profissional/tratamento.

- 51%. afirma ter sido sujeito a medicação prescrita pelo medico.

Conclusões

Os autores do estudo, admitem serem defensores do conceito de recuperação das dependências de substancias psicoactivas lícitas e/ou ilícitas, concentrando assim os seus esforços, principalmente, sobre os efeitos positivos da recuperação:

  • Redução acentuada, na colocação dos filhos de pais dependentes de substâncias psicoativas em recuperação, em instituições de apoio à criança, assim como, em relação ao reagrupamento/estrutura familiar apresentam resultados positivos concretos.
  • O índice de violência domestica, em indivíduos adictos ativos calcula-se entre os 39%, enquanto a mesma taxa entre os indivíduos em recuperação calcula-se entre os 7%, uma diferença significativa de 32%.
  • Aumento da empregabilidade, segundo o relatório do estudo, 74% dos indivíduos em recuperação permanece durante longos períodos no local de trabalho e 70% afirma pagar impostos, as suas dividas, assim como, voltam a ter acesso ao crédito, por exemplo, em instituições bancarias. 
  • Apresentam taxas reduzidas de problemas com a justiça, por exemplo; prisão. Aqueles indivíduos em recuperação, de longa duração, gradualmente deixam de se envolver em actividades ilícitas.
  • A conclusão final dos autores, sobre este estudo, reforça que a recuperação das dependências de substancias psicoactivas, licitas e/ou ilícitas, vulgo drogas, não se resume somente à interrupção dos comportamentos problemáticos e ao consumo de drogas, visa também a adoção de estilos de vida responsáveis e positivos em prol do autoconhecimento (selfcare) e da sociedade.
  • 79.4% dos participantes no estudo, após terem iniciado a sua recuperação, refere ter participado em ações de voluntariado na comunidade e participado em grupos cívicos.

 

 

Nota pessoal: Este estudo vem reforçar e contrariar o estigma, a negação e a vergonha associadas aos indivíduos dependentes de drogas, vulgo toxicodependentes, termo em desuso, a Organização Mundial de Saúde, designa de dependência de substâncias psicoativas.

Se recuarmos duas décadas, os indivíduos dependentes de drogas eram considerados marginais e excluídos da sociedade preconceituosa e mal informada. O mesmo preconceito também se alastrava às suas famílias. Para agravar ainda mais o cenário, já dramático, existia a crença generalizada que as pessoas dependentes não conseguiam recuperar, ou melhor dizendo, não conseguiam ficar curadas do seu «vicio»; era uma condenação para o resto das suas vidas. O diagnostico era considerado muito grave e estes indivíduos só conseguiam estabilizar da sua condição recorrendo a medicação, em doses excessivas, prescritas pelos seus médicos e ao internamento em instituições de longa duração e isoladas da sociedade, como se de um vírus tratasse.

Felizmente a realidade, hoje em dia, é bem diferente. O termo recuperação aparenta estar difundido, transversal na nossa sociedade, fazendo parte integrante do jargão dos profissionais e instituições, e mais importante, dos indivíduos dependentes e das suas famílias. Ao contrario do estigma, da negação e da vergonha que justificavam o diagnostico e a progressão da doença da adicção (primaria, progressiva e crónica) atualmente, existe a esperança como motivação para a mudança de atitudes e comportamentos, a investigação cientifica (National Institute on Drug Abuse -NIDA), a legislação (descriminalização sobre a posse e o uso de drogas ilícitas), a responsabilização do individuo dependente para a mudança de estilos de vida e o compromisso de profissionais (equipas multidisciplinares) dedicados em motivar pessoas na mudança de comportamentos, em vez de abordar indivíduos, através de praticas e abordagens pouco convencionais, rotulados de «falhados», «fracos», culpados e moralmente excluídos. O termo recuperação das dependências de substâncias psicoativas, não é restrito ou exclusivo de determinadas abordagens terapêuticas ou grupos de ajuda-mutua, pelo contrario, é abrangente e contempla múltiplos programas e contextos (settings) terapêuticos. Qualquer pessoa, independentemente do seu estatuto social, género, raça, crença pode recuperar da dependência. Recuperar é que está a dar.

De acordo com Substance Abuse and Mental Health Services Administration (SAMHSA) foram designadas quatro dimensões que visam enquadrar (orientar) o individuo dependente na sua recuperação, os profissionais e a comunidade (sociedade): 1. Saúde – lidar com os sintomas da sua doença, por exemplo, através da abstinência de drogas e/ou álcool e não tomar medicação sem recomendação medica. Resoluções em prol da saúde e bem-estar. 2. Casa – um lugar seguro para habitar. 3. Propósito – possuir um plano de atividades diárias, tais como, emprego/estudar, voluntariado, cuidar da família, atividades sociais, independência, gestão dos recursos financeiros, atividades culturais e criativas (por exemplo, arte). 4. Comunidade/sociedade – relacionamentos sociais e utilização de recursos que promovem a recuperação (apoio), a amizade, o amor e a esperança

«O objetivo da recuperação contempla uma abordagem preventiva, e simultaneamente reforça e promove a resiliência, o bem-estar, o processo de recuperação (estilos de vida) e qualidade de vida» (SAMHSA, EUA).