Contra o estigma, a negação e a vergonha associados aos comportamentos adictivos. O silêncio não é seguramente a melhor opção para a recuperação; ninguém recupera sozinho.
Contra o estigma, a negação e a vergonha associados aos comportamentos adictivos. O silêncio não é seguramente a melhor opção para a recuperação; ninguém recupera sozinho.
Este texto, enviado pela Renata, veio no seguimento de uma publicação no Facebook onde solicitei o envio de experiências de adultos, que tenham tido pais com problemas de álcool e/ou drogas ilícitas. Eis o relato da Renata.
“Tenho um pai e uma irmã que bebem todos os fins de semana, e às vezes, no meio da semana. Vivem dizendo que é normal, e que, como todos fazem , que mal tem ? Mas percebo a incoerência nas atitudes, no modo de vida maquiado como normal, porém completamente fora do contexto. Percebo atitudes completamente diferentes do "viver em conjunto" o álcool ou a adicção retirou deles o pé do chão, como se estivessem literalmente voando ou como se vivessem em outro mundo sendo o convívio muito difícil dado ao fato que podemos ser diferentes mas precisamos concordar em conectar.
Não há dessas pessoas o menor interesse em saber sobre isso ou parar esse processo...sou adicta e “limpa” e esses familiares precisam de ajuda mas talvez a única maneira de ajudá-los seja ficando bem longe!
João, acabo de expor-lhe minha realidade e tem a ver com o post sobre familiares adictos!
Obrigada”
Renata Ramos
Nota: Todos os dados foram preservados com a devida autorização da autora. Contra a contra o estigma, a negação e a vergonha. Bem-haja Renata
Comentário: Tal como a Renata refere, a estrutura familiar aparenta estar afectada pelo álcool. Segundo alguns estudos, nos EUA, referem:
Os filhos de pais alcoólicos estão mais vulneráveis ao risco de desenvolverem problemas com substâncias psicoactivas – abuso e dependência.
Os pais que apresentam problemas com álcool e/ou outras drogas podem influenciar os comportamentos dos seus filhos. O consumo e o abuso de drogas, incluindo o álcool, podem ser considerados permissivos entre a família, incluindo as crianças.
As famílias afectadas pelo álcool e/ou outras drogas estão mais propensas ao conflito, comparativamente, aquelas famílias que não estão expostas ao problema do álcool e/ou drogas. Os problemas na família giram em torno do consumo e do abuso de substâncias psicoactivas.
O ambiente familiar disfuncional, relacionado com o álcool e/ou outras drogas, propicia a negligencia das crianças e a falta de comunicação entre os seus membros; referências parentais, os papéis na estrutura e dinâmica da família e a gestão de conflitos.
Alguns problemas identificados nas famílias com problemas de álcool e/ou outras drogas: Tendência para o incremento do conflito familiar, violência física e emocional, redução da coesão e da organização familiar, stress e isolamento, problemas de saúde e no trabalho, problemas/ conflitos conjugais e financeiros, mudanças drásticas na estrutura familiar, incluindo as crianças.
O seu pai e/ou mãe tem um problema com álcool? Ou drogas? Caso você seja filho/a de pais alcoólicos ou dependentes de drogas ilícitas escreva um pequeno texto sobre a sua experiência a fim de ser publicada no meu blogue. Pela minha experiência profissional de duas décadas e apesar de não existir estudos sobre este tema, existem em Portugal centenas, de filhos de pais alcoólicos ou dependentes de drogas, hoje adultos, que ainda sofrem em silêncio o trauma, o estigma e a vergonha. Recuperar É Que Está A Dar
Importante: Todos os dados são confidenciais. Sigilo total
Dada a escassez informação para o publico em geral, acabamos por ingerir açúcar, nos mais diversos tipos de alimentos, em quantidades excessivas e nefastas para a saúde. Erradamente, recorremos ao açúcar para nos mimar e "adormecer" as nossas emoções mais dolorosas, alívio típico do stress do dia-a-dia.
O açúcar afeta e pode comprometer seriamente o funcionamento normal do cérebro e assim provocar dependência. Neste caso específico informação é poder. Veja este video interessante e reflicta sobre o assunto em família, incluindo os seus filhos. Siga o link "That Sugar Film"
O dia 26 de Junho assinala o Dia Internacional Contra o Abuso de Drogas e o Trafico Ilícito. Este dia, para mim, é de reflexão, onde dedico algum tempo à pesquisa de artigos publicados forma a manter-me actualizado sobre a evolução deste fenómeno avassalador, para uns representou uma verdadeira tragedia. Nomes sonantes vítimas das dependências, recordo, Micael Jackson, Amy Winehouse e Whitney Houston, só para enumerar alguns, sem esquecer os indivíduos desconhecidos e as suas famílias.
Em Portugal, estou em crer, que este dia, nunca mereceu a devida atenção e até posso acrescentar que para a maioria da população portuguesa passa despercebido, principalmente devido ao estigma, à negação e à vergonha associados à dependência de substâncias psicoactivas, vulgo toxicodependência. Estamos atrasados duas décadas em relação ao que se pratica, se ensina, investiga e no tratamento das dependências a nível internacional. Trabalho nesta área, desde 1993, e ainda constato, por parte dos profissionais de saúde, um certo tipo de ignorância e/ou desinteresse. Por exemplo, as universidades portuguesas ainda não possuem as condições e os recursos necessários a fim de motivar os seus alunos para a área das dependências. Tenho outro exemplo, mais concreto, conheci vários psicólogos e são unânimes em afirmar que aquilo que aprendem, sobre as dependências nas universidades, é insuficiente. Já para não referir a questão da prevenção das dependências, que tal como o tratamento do abuso e dependência de drogas, é uma matéria que ainda não mereceu por parte dos responsáveis políticos, dos media, dos tribunais e dos advogados, das mais diversas Ordens de profissionais da saúde e da sociedade em geral a devida atenção. Todos nós, eu e você, negamos as evidências óbvias.
Vidas despedaçadas com consequencias irreversiveis, de acordo com estimativas das Nações Unidas, as mortes por ano relacionadas com o consumo de drogas, no Mundo, podem atingir entre 99 mil e as 253 mil pessoas. De acordo com a mesma noticia, o canábis é a substância psicoactiva mais consumida, seguido pelas anfetaminas, os consumos de cocaína e heroina estabilizaram. «O canabis não mata, mas pode conduzir á loucura»
Algumas organizações não-governamentais e agências governamentais, neste caso específico, na Finlândia, decidiram alertar a opinião publica e ajudar a mudar atitudes e comportamentos em relação ao abuso do álcool dos pais e os efeitos nos filhos. Em Portugal somos uma cultura que bebe e reforça o abuso do álcool, entre adultos e jovens menores de idade. O alerta publico na Finlândia também se aplica ao nosso país.
A perspectiva assustadora das crianças perante o problema do álcool nos pais. As maiorias das crianças, de famílias afectadas pelo abuso do álcool e/ou do alcoolismo são negligenciadas ao longo da progressão da doença. Algumas crianças, quando adultas carregam os traumas, para o resto das suas vidas: o alcoolismo passa de geração em geração.
Redescobrir a Vida para além da negação e da culpa – Recuperação
Quando me refiro ao termo Recuperação (mudança de estilo de vida) aplica-se, não só ao alcoólico, mas a todos os membros da família, incluindo as crianças. Torna-se imperativo identificar e desmantelar a “regra do silêncio”. Enfrentar e lidar construtivamente com o sistema disfuncional dos sentimentos intensos ou reprimidos (a negação, o trauma, a culpa e vergonha, a rejeição e a inadequação, o isolamento, medo e o ressentimento, a ansiedade e a depressão) que comprometem seriamente a hierarquia familiar.
Abdicar de atitudes e comportamentos “extremistas”, disfuncionais (erros cognitivos, relacionamento de amor ou ódio) e aprender a viver nas “zonas cinzentas” – novas aptidões cognitivas e do comportamento ex. ser flexível, espontâneo/a, assertivo/a, sentido critico construtivo, honestidade, focado nas soluções em vez de nos problemas, auto estima, responsabilidade e entrega. Não existem relações nem pessoas perfeitas. Em recuperação a família aprende a confiar e a ser autónoma renunciando viver codependente dos outros.
Por vezes observo que a “ovelha negra” é aquele membro da família que consegue adoptar atitudes e comportamentos mais saudáveis e equilibrados. Parece reger-se por um diferente conjunto de regras – resiliência. É importante desenvolver novos relacionamentos que funcionem como um “espelho” ou uma referência. Reaprender novas rotinas e crenças (a falar, a confiar e a sentir) em conjunto com outras pessoas. Isto acontece principalmente em Grupos de Ajuda Mutua dos 12 Passos.
Mais uma vez, gostaria de reforçar a importância das emoções e dos afectos. Fazem parte do todo complexo (corpo, mente e espírito) é necessário identifica-las (Eu sinto…) monitoriza-las e cuidar delas com amor e respeito. Adquirir talentos cognitivos na gestão das emoções intensas e/ou evitar reprimir. Não se pode ser feliz abafando uma parte viva e criativa do nosso ser. É ok sentir raiva, medo, frustração e insegurança e cometer erros. Por vezes, é ok perder o controlo. Experimente passar o “volante do carro” para as mãos de outra pessoa de confiança e deixar-se levar, usufruindo e gozando a liberdade de escolha e entrega. Um dia de cada vez.
Segundo Tian Dayton, Ph.D é preciso ensinar os membros da família a desenvolverem competências que os ajudem a tolerar “emoções fortes e intensas” sem que necessitem agir nelas (acting out). É preferível falar sobre o que se está a sentir (emoções intensas) naquele momento, através de uma plataforma de entendimento, em vez de explodir ou implodir.
Proponho um desafio. Objectivo: “quebrar a regra do silêncio”. Se você se identifica com algo neste texto siga a minha sugestão: Fale com alguém de confiança sobre os seus sentimentos. Se desejar pode enviar para joaoalexx@sapo.pt relatos ou experiencias significativas escritas associadas a ambientes familiares disfuncionais associados ao alcoolismo. Atraves do seu exemplo em "quebrar a regra do silencio" outros seguiram o mesmo caminho. Recuperar É Que Esta a Dar
O alcoolismo pode igualar-se a um conjunto de doenças (ex. doenças cancerígenas, diabetes) que são herdadas na família. Ao contrário destas doenças que referi, o alcoolismo, infelizmente não é sobejamente conhecido e investigado (prevenção, tratamento e recuperação) em Portugal pelas entidades competentes e profissionais.
Há muitas gerações, que se perdem no tempo, que pertencemos a uma “cultura que bebe”, que reforça e promove o consumo de bebidas alcoólicas, em alguns casos, até o abuso do álcool é considerado normal, corajoso, destemido, engraçado e divertido.
Não é novidade que o álcool é um óptimo “lubrificante” nas relações entre pessoas e também associado a uma “fonte” de lazer e bem-estar. Se no inicio de um acto social, nos sentimos desconfortáveis ou constrangidos, após ingerirmos uns “copos” passados uns minutos já nos sentimos aliviados, desinibidos e “confiantes.”- Muleta extra utilizada para quebrar o gelo. Por isso, muito cedo (em alguns casos durante a adolescência) aprendemos estes comportamentos mas raramente os desaprendemos. Podemos recorrer á “muleta” sempre que quisermos porque sabemos perfeitamente que “Não nos vai deixar mal.”
Reconheço vários aspectos benéficos no consumo de bebidas alcoólicas na nossa sociedade. É obvio que o álcool consumido de forma consciente e saudável não representa perigo. Várias vezes refiro que o álcool não é o problema nº 1, mas as pessoas (aquelas que não estão informadas, aquelas que o consomem abusivamente e aquelas que o vendem abusivamente). Não sou “fundamentalista”, mas um cidadão (e pai) e um profissional atento aos problemas relacionados entre as pessoas (sociedade) e o álcool.
Todavia gostaria de “debruçar” sobre os efeitos do alcoolismo na família, ao longo de gerações, e expor questões que na minha opinião, continuam ignoradas e negligenciadas, o que é grave (CRISE negligenciada). Não é nada que não se saiba, mas raramente se investiga e discute até ao surgimento de notícias trágicas e comoventes – ex. casos extremos violência doméstica associados ao alcoolismo e casos de negligência e/ou abuso (físico, sexual e emocional) de crianças associados ao alcoolismo.
Um garoto, a que vamos chamar Júlio, de 15 anos, quando conversava evitava o olhar e falava muito baixo, todavia, era muito doce e muito forte. Morava num bairro social, num T1, no mesmo prédio mas em dois andares diferentes. No primeiro andar morava a avó que padecia de cancro, em fase terminal, no rés-do-chão morava o pai alcoólico com um cão. Todos os dias, o rapaz levantava-se muito cedo, tratava da casa, preparava o almoço, depois corria para a escola onde era um óptimo aluno, mas muito solitário. Ao final da tarde e de regresso a casa, fazia compras, não esquecia de levar o vinho, lavava o T1 onde o pai e o cão tinham feito porcarias, vigiava os medicamentos, dava comer à pequena família, depois à noite, quando a tranquilidade regressava, oferecia a si mesmo um instante de felicidade, estudava.
Um dia, o Julio foi convidado para participar num projecto entre turmas na escola. Ele, dois colegas e o professor estiveram a falar sobre o assunto. Após a reunião, voltou para casa, para as suas duas divisões caóticas, deslumbrado e aturdido de felicidade. Era a primeira vez na vida que lhe falavam amigavelmente, que o convidavam para tratar de um assunto insignificante e abstracto, tão diferente das provações incessantes que enchiam a sua vida quotidiana. Esta conversa (reunião) insignificante, para um jovem de um ambiente familiar normal, adquirira para o Júlio um deslumbramento muito especial e distinto. Afinal, era possível conviver e fazer parte das coisas normais e abstractas. Passados uns anos, antes do exame final do 12º ano, o Júlio, exclamou “Se por desgraça, passar no exame, não poderei abandonar o meu pai, a minha avó e o meu cão.”
Recordo outro indivíduo a que vamos chamar de Mário, 40 anos, alcoólico e dependente de drogas desde longa data, pai solteiro de duas filhas jovens, que não conhece, vive com a sua mãe de 80 anos, num bairro social, num T1, mais dois irmãos, um de 35 e o outro de 38 também dependentes de drogas e álcool, não sabe ler e escrever e apresenta sérios problemas de saúde consequência da dependência (no fígado). O seu pai morreu, com uma cirrose no fígado, vítima do alcoolismo. O Mário, não completou a primeira classe, como não tinha “jeito” para estudar, foi trabalhar na construção civil, com o seu pai. È um individuo de tracto dócil, simpático e sempre esteve disponível para ajudar os outros.
Pequenos excertos sobre pedidos de ajuda recebidos por email, sendo posteriormente enviadas as respectivas respostas. Todos os dados pessoais foram alterados de forma a manter a confidencialidade dos seus intervenientes. Se identificar com alguma situação e ou comportamento em concreto pode escrever um email e solicitar apoio.
A publicação destes pequenos excertos tem como propósito quebrar o ciclo disfuncional associado ao estigma, à negação e à vergonha. Na sociedade de hoje, é cada vez mais comum o aparecimento deste tipo de problema e questões entre pessoas e famílias. Por vezes, a distancia, entre pessoas com problemas idênticos, pode ser uma porta, um prédio e/ou uma mesa do escritório. A ajuda surge quando o ciclo disfuncional adictivo é interrompido.
Todos, sem excepção estamos vulneráveis e expostos à adversidade, por ex. comportamentos adictivos. Determinados comportamentos dolorosos podem despoletar o mecanismo (ex. procura do prazer e do alivio através da comida, sexo, substancias psicoactivas lícita e/ou ilícitas, jogo, relacionamento de dependencia, compras, shoplifting - furto) que supostamente nos protege da dor, mas conduz-nos no sentido contrário, da dependência e da perda do controlo.
Pedidos de Ajuda
Distúrbio alimentar: "Navegava na Internet para resolver o meu problema de bulimia. Adorei o seu blogue, acho que encontrei uma luz ao fundo do túnel. Amei o texto sobre perdoar e cada vez mais me convenço que tenho que aprender a perdoar e a perdoar-me em vez de viver a apontar o dedo a mim e aos que me estão mais próximos."
Distúrbio alimentar: "Desde há uns anos quando acabo uma refeição 90% das vezes fico agoniado/enjoado. Quando tinha 12 anos era gordinho e a família brincava comigo em relação ao meu peso e ao corpo. Não achava piada. Dei por mim, a beber um copo de leite de manhã e a jantar. Sempre que como fico mal disposto. Nunca vomitei após uma refeição, mas tento controlar-me, porque vontade não me falta. Será que posso ter algum tipo de distúrbio alimentar?"