Contra o estigma, a negação e a vergonha associados aos comportamentos adictivos. O silêncio não é seguramente a melhor opção para a recuperação; ninguém recupera sozinho.
Contra o estigma, a negação e a vergonha associados aos comportamentos adictivos. O silêncio não é seguramente a melhor opção para a recuperação; ninguém recupera sozinho.
A atividade relacionada com o Jogo, poderá transformar-se numa adicção/dependência, processo semelhante, por exemplo ao alcoolismo. Até recentemente, a dependência do Jogo (online e offline) era considerada tabu devido ao estigma e não existir informação pública sobre as causas, mecanismos e tratamento numa abordagem multidisciplinar. Quando surgem notícias, o Jogo está associado a casos de crime/polícia, aumentando exponencialmente o estigma. Aquilo que não compreendemos temos a tendência para ignorar e ao contrário do alcoolismo, na dependência do Jogo as pessoas não ingerem no seu organismo qualquer drogas, apesar de alguns indivíduos adictos ao jogo, também abusarem de algumas drogas, referimo-nos por exemplo, a cocaína e ao álcool. Atualmente, apesar de o Jogo Online ter agravado o número de indivíduos dependentes, existe uma maior informação, compreensão sobre a natureza da doença, o conhecimento dos seus mecanismos e a implementação de medidas, junto de terapeutas, investigadores e decisores políticos a fim de desenvolverem abordagens eficazes na prevenção, na procura de tratamento e na recuperação.
Apesar de já estar disponível numa publicação antiga, neste blogue, vou apresentar mais uma vez as “Fases do Jogo Compulsivo, pelo Dr. Robert Custer.”
Fases do Jogo Compulsivo
Três fases distintas na progressão da adicção ao jogo pelo Dr. Robert Custer.
Primeira fase: Busca da euforia/acção – designada “sorte do principiante”, onde este perde e ganha nas suas sessões de jogo, perde algumas somas/poupanças significativas, faz empréstimos (ex. dinheiro emprestado a amigos ou familiares), todavia nesta fase ainda não sente o desconforto gerado pelos seus comportamentos.
Fase da procura da reposição do que gasta e perde. Nesta fase, surgem os danos significativos. Identificam-se as tentativas desesperadas de repor (reembolsar) as perdas, intensificam-se ainda mais as sessões de jogo (frequência e a duração). A autoestima deteriora-se e o sentimento de culpa intensifica-se. Esta fase pode prolongar-se por vários anos.
Fase de desespero, o indivíduo é totalmente obsessivo com o jogo. As perdas e o endividamento assumem dimensões significativas. Nesta fase, o indivíduo recorre a atividades ilegais como consequência da impulsividade. A família, a carreira profissional e a vida social ficam devastadas. Nesta fase, os jogadores adictos contemplam o suicídio e/ou a fuga (por exemplo: mudanças geográficas). Problemas com legais/justiça e, em última instância pedem ajuda para o seu comportamento problema.
Algumas atividades lícitas e/ou ilícitas associadas ao jogo: casinos, casinos online, apostas online, apostas desportivas, jogos de cartas, dados, lotarias e bingos.
20 PERGUNTAS sobre o Jogo:
Você já perdeu horas de trabalho ou da escola devido ao jogo?
Alguma vez o jogo já causou infelicidade na sua vida familiar?
O jogo afectou a sua reputação?
Você já sentiu remorso após jogar?
Alguma vez jogou para obter dinheiro para pagar dívidas ou então resolver dificuldades financeiras?
O jogo causou uma diminuição na sua ambição ou eficiência?
Após ter perdido você se sentiu como se necessitasse voltar o mais cedo possível e recuperar as suas perdas?
Após um ganho sentiu uma forte vontade de voltar e ganhar mais?
Você geralmente jogava até ao seu último cêntimo?
Você já pediu dinheiro emprestado para financiar o jogo?
Alguma vez vendeu alguma coisa para financiar o jogo?
Você já esteve relutante em usar o “dinheiro de jogo” para as despesas normais?
O jogo tornou-o descuidado com o seu bem-estar e o de sua família?
Alguma vez você já jogou por mais tempo do que planeava?
Alguma vez você já jogou para fugir de preocupações ou problemas?
Alguma vez você já cometeu, ou pensou em cometer um acto ilegal para financiar o jogo?
O jogo fez com que você tivesse dificuldades em dormir?
As discussões, desapontamentos ou frustrações fizeram com que você tivesse vontade de jogar?
Alguma vez você já teve vontade de celebrar alguma boa sorte com algumas horas de jogo?
Alguma vez você já pensou em provocar danos/magoar-se a si próprio como resultado de seu jogo?
Se 8 ou mais respostas positivas significa que tem adicção ao jogo.
Escala retirada dos “Jogadores Anónimos” e validada “cientificamente” como instrumento diagnóstico para definição de jogado compulsivo.
Se identificar um problema peça ajuda, antes que o problema tome conta da sua vida.
Quando um individuo identifica um problema relacionado com o jogo (qualquer atividade offline ou online que envolva apostar, jogar e ganhar) constata, que a sua capacidade de tomar decisões, das mais básicas às mais complexas, fica afetada, nestas situações especificas, um dos sinais inequívocos é a perda de controlo. O individuo não consegue prever, com antecedência qual vai ser o resultado das suas ações, no que ao jogo diz respeito. Mesmo assim, consciente, da sua impotência, o individuo, devido ao desejo intenso (craving) continua a jogar (apostas, vídeo jogos, poker, raspadinhas, bingo, etc.) apesar das consequências negativas a nível profissional, familiares, financeiras e económicas, obrigações sociais, etc. A maioria dos jogadores patológicos não revela muita apreensão quanto ao dinheiro que envolve a atividade/jogo. Esta preocupação poderá existir, após já não ter mais dinheiro para jogar e vê-se obrigado e interromper o jogo e a enfrentar as devidas consequências, por exemplo; dividas, gastar dinheiro do orçamento familiar, pedir dinheiro emprestado, gastar poupanças, etc. Todavia, este período de remorso é temporário e de curta duração. Inclusivamente, algumas famílias apelidam a esta fase; “fase de cordeiro” de “promessas e juras” que rapidamente são quebradas; o círculo vicioso reinicia mais uma e outra e outra vez.
Alguns sinais associados ao jogo patológico
Serie de derrotas – cada vez que lançamos moeda ao ar e aparecer “cara”, as possibilidades de isso acontecer são de 50%. Isto significa que se eu lançar a moeda ao ar, dez vezes seguidas e aparecer “cara”, nada me garante que à 11ª vez que repetir o mesmo ato, voltar a lançar moeda saia “cara”, porque as possibilidades continuam a ser de 50%. O resultado de cada lançamento não é determinante e não interfere no lançamento seguinte; a moeda não possui memoria. Muitos jogadores patológicos pensam que perder várias apostas, de seguida, vão iniciar uma serie de vitorias. Na realidade, apesar de perder, nada nos garante que a seguir vamos ganhar/vencer.
Sorte – Cruzar os dedos, ferraduras, amuletos, santinhos, bruxaria, crucifixos, soprar nos dados, etc. Muitos jogadores patológicos acreditam que este tipo de superstição ou outras, não mencionadas, poderá mudar a sua sorte. Outros acreditam que devem jogar sempre na mesma máquina ou vestir a camisa da sorte ou escolher um número da sorte aumentam as probabilidades de vencer. Na realidade, este tipo de amuletos ou outras coisas não possuem qualquer interferência na possibilidade de ganhar. É o tipo de jogo que cada um seleciona que determina se ganha ou perde.
De acordo com um estudo, é mais perigoso o jogo online (apostas, poker, vídeo jogos) do que o jogo físico, por exemplo, casino. O jogador patológico é capaz de estar mais de 10 horas focado no jogo que selecionou para si e estar online facilita o comportamento repetitivo.
Referencias: "Your First Step To Change" 2nd Edition - Division on Addiction at Cambridge, Harvard Medical School, Massachusets Department Of Public Health
Este artigo foi publicado no Jornal de Negócios (17 de Fevereiro de 2014)e está disponível só para assinantes online , nesse sentido, disponibilizo-o para si que é seguidor do blogue Recuperar das dependencias.
Jornal de Negócios: Nos últimos anos, o volume de jogos de fortuna e azar e apostas desportivas foram aumentando quer em locais físicos, mas como através da Internet. Esse crescimento foi acompanhado pelo registo de incremento de pessoas com adicção de jogo?
O incremento de pessoas com adicção ao jogo e o jogo patológico, através da internet tem sido exponencial. Por exemplo, no final dos anos 90 a maioria dos indivíduos adictos ao jogo, em casinos, eram adultos na casa dos 40 e dos 50 anos. Hoje em dia através do acesso online, chegam às consultas indivíduos com problemas associados ao jogo com idades entre os 24 e os 30 anos. Todavia, isso não quer dizer que todos sejam adictos ao jogo, isto é, alguns são indivíduos com problemas associados ao jogo que varia entre moderado e grave. Na sua pergunta refere adicção, nesse sentido, importa saber o que é a adicção. A adicção afecta a saúde do indivíduo, os vínculos familiares, incluindo das crianças, o desempenho profissional e a qualidade de vida. Ser adicto não é uma escolha pessoal. Ao longo de vinte anos de experiência profissional, na área da adicção, nunca ouvi nenhum individuo afirmar que escolheu ser adicto. Não é um acto voluntario, o individuo perde o controlo, a compulsividade, o craving (desejo intenso e irracional pela actividade) e continuação do comportamento apesar das consequências negativas. A Sociedade Americana da Medicina da Adicção define a adicção como uma doença primária, crónica que interfere e afecta o sistema/estrutura do cérebro responsável pelo prazer e recompensa, pela motivação e memoria e os circuitos neuronais adjacentes. Sabemos que uma alteração e disfunção destes circuitos neuronais conduzem ao aparecimento de sintomas a nível biológico, psicológico, social e espiritual no indivíduo, que se reflectem na busca e recompensa patológica do prazer. Por outras palavras, a adicção funciona como uma “almofada” perante determinadas situações e adversidades ao longo da vida do indivíduo. Este fenómeno repete-se com a adicção às substâncias psicoactivas lícitas, incluindo o álcool, as ilícitas, vulgo drogas, com o jogo, o sexo, as compras, o furto. A fim de ficar esclarecido existe um critério que identifica o jogo problemático (moderado a severo) e um critério para a adicção (doença primária e crónica). A adicção não é um vírus.
Segundo estudos (American Medical Association, EUA, 2000) existem factores genéticos em comum entre os indivíduos jogadores patológicos do sexo masculino e o álcool. Todavia, também gostaria de referir que nas últimas duas décadas, com os avanços tecnológicos e a investigação, principalmente nos EUA e Canadá, ainda estamos a aprender sobre o que é a adicção; as causas, a identificar aqueles indivíduos mais vulneráveis e os tratamentos disponíveis mais adequados.
Jornal de Negócios: É possível traçar o perfil do jogador compulsivo?
Segundo uma investigação no Canadá, os indivíduos com problemas associados ao jogo compulsivo (patológico) apresentam quatro vezes mais probabilidades de serem diagnosticados com doença mental, relacionado com perturbação do humor e ansiedade, do que os indivíduos não jogadores. A actividade associada ao jogo começam na adolescência, com mais prevalência no sexo masculino do que no sexo feminino.
Na minha experiencia profissional o perfil do individuo jogador compulsivo oscila entre os 24 e os 56 anos. Sexo masculino, classe media/alta, licenciados com carreiras profissionais estáveis, trabalham em excesso, têm dívidas, gostam de quebrar regras e correr riscos, são impulsivos e egocêntricos. Acreditam que o dinheiro é a causa e/ou a solução para os seus problemas. Alguns deles afirmam, em situações de desespero, ideações e tentativas de suicídio. Alguns destes indivíduos são oriundos de famílias desestruturadas com problemas de álcool, jogo e violência doméstica.
De acordo com as últimas investigações, através de imagens de ressonância magnética, sabemos que a adicção é uma doença do cérebro. Determinados comportamentos e/ou o abuso de substâncias psicoactivas interferem e afectam a estrutura cerebral responsável pelo prazer, motivação, memoria (sistema de recompensa). Através dos comportamentos adictivos e abuso de substâncias psicoactivas adictivas, provoca uma modificação dos circuitos neuronais e o aparecimento de sintomas físicos, psicológicos e espirituais no individuo através da procura e recompensa patológica do prazer e alivio imediato. Para que você perceba melhor, esta região do cérebro controla os movimentos do corpo[i]o núcleo caudado (região do cérebro) situa-se na parte interna é muito primitiva e faz parte daquilo que se chama cérebro reptilário. Esta região do cérebro (sistema de recompensa) evoluiu muito antes dos mamíferos, há aproximadamente 65 milhões de anos. O núcleo caudado ajuda-nos a detectar e a aperceber de determinada recompensa, a seleccionar entre recompensas, a preferir uma recompensa específica, a prever uma recompensa e a esperar uma recompensa.
Se você é um adicto/a toda a sua vida (família, trabalho, amizades, saúde, recursos financeiros, etc) gira em torno da recompensa adicção a comportamentos (jogo, compras, sexo, dependência emocional, distúrbio alimentar) e/ou a substâncias psicoactivas lícitas, incluindo o álcool, e/ou ilícitas, geradoras de dependência e fica comprometido em termos das suas decisões (atitudes e comportamentos), por outras palavras; perde o controlo sobre as já referidas substâncias e/ou os comportamentos adictivos.
Áreas do cérebro afectadas pela adicção:
Recompensa (motivação)
Prazer
Motora (Aptidão psicomotora)
Humor
Memoria (processamento)
Sono
Cognição (défices cognitivos)
Considera que a sua adicção está a comprometer seriamente a sua qualidade de vida e a qualidade dos relacionamentos com pessoas significativas? Se estiver confuso/a em relação à resposta pode enviar um email para joaoalexx@sapo.pt e colocar as suas questões. Todos os dados são confidenciais (sigilo total).
O jogo patológico não é uma doença, mas sim um divertimento – esta é a maneira como o Estado português trata este cancro que cada vez mais se entranha na nossa sociedade, galopando especialmente com o crescimento dos Casinos Online.
Contra esta posição legal, o nosso grupo de área de projecto decidiu contrariar esta tendência e lutar por informar e prevenir os alunos da escola de Cerveira com a uma simulação de jogos de Casino.
Durante uma semana, quatro jogos de “fortuna ou azar” tradicionalmente jogados nos grandes casinos foram colocados ao dispor do público do secundário da nossa escola. Foi atribuída uma carteira de 500 euros virtuais, por jogador, que poderiam ser gastos nos quatro jogos disponíveis. O grupo agiu como banca, numa actividade que tem como conclusão demonstrar, matematicamente, como os jogadores perdem, e psicologicamente, como estes são facilmente cativados pelo vício.
Foram também entregues inquéritos, antes e depois dos “jogadores” esgotarem o seu saldo virtual, de modo a avaliar as expectativas e as vontades de continuar ou abandonar os jogos. Os resultados falam por si:
31% dos inquiridos admitiu que jogaria a dinheiro os jogos apresentados mesmo antes de os ter experimentado, sendo que,
64% estava convencido que iria ganhar. Após terem jogado, fizemos novamente um inquérito, concluindo que,
81% dos “jogadores” ficaram com vontade de voltar a jogar e,
44% do total voltaria a jogar estes jogos a dinheiro, mesmo tendo,
65% dos jogadores perdido em todos os jogos.
O nosso grupo vem portanto alertar principalmente os pais e Encarregados de Educação, porque não há uma política de combate ao jogo por parte do governo. Facilmente, a nossa faixa etária é cativada pelo dinheiro fácil dos casinos On-line e consegue falsificar os dados sem qualquer problema, pelo que pedimos a todos que se informem, e principalmente, que não tomem como modo de vida o que é suposto ser um divertimento.
O grupo de Área de Projecto “O Jogo – Um Problema Social” Escola Básica e Secundária de Vila Nova de Cerveira
Comentário: Acho original a ideia deste grupo de alunos, da Escola Básica e Secundaria de Vila Nova de Cerveira, ao abordar o Jogo Patológico. Estive presente na Escola para uma palestra que permitiu auscultar as suas (alunos e professores) opiniões e duvidas sobre este fenómeno em crescimento, também graças ao acesso da Internet (ex. Casinos On line) e negligenciado pelas autoridades competentes.
O Jogo patológico não é considerado uma doença em Portugal. Quais os estudos existentes sobre o perfil do jogador, em Portugal? Se o Estado também beneficia das actividades ligadas ao Jogo, não deveria ter responsabilidades para com a informação, ao público em geral, deste fenómeno, e ao apoio e tratamento, em particular, para os com os jogadores, famílias, incluindo as crianças? Quais os custos sociais e economicos para o Estado sobre o Jogo patológico?
Prevê-se um significativo aumento das receitas do jogo em Portugal, mas não se prevê uma atitude responsável pelas consequências do jogo do ponto de vista da saúde. O lucro não pode justificar a negação deste fenómeno.
Considero importante, os jovens questionarem de uma forma construtiva e aberta o Mundo dos Adultos, de um fenómeno negado e estigmatizado, mas publicamente referenciado e associado, de uma forma ardilosa, ao lazer e ao turismo. As questões e as dúvidas sobre o Jogo patológico permanecem por esclarecer até ao fatídico dia que uma família é confrontada pelo problema e pelas suas consequências de saúde, económicas, morais e legais.
Os meus parabéns aos alunos e não cruzem os braços sobre este tipo de fenómenos “escondidos” pelo Mundo dos Adultos. A informação é poder, e é capaz de mudar mentalidades e proporcionar uma sociedade mais crítica e menos individualista.
Veja a hiperligação da Inspecção de Jogos. Não existe nenhuma referência ao Jogo Patológico, apesar das evidências dramáticas.
Ao longo dos anos tenho observado indivíduos dependentes de substâncias psico activas / adictivas, lícitas, incluindo o alcool, e/ou ilícitas que são admitidos em tratamento, quer seja em regime residencial de internamento ou através das consultas tradicionais presenciais (terapia individual), e ao mesmo tempo, também acompanho individuos que permanecem abstinentes, como parte do seu programa de recuperação duradoura, a que apelido de mudança de estilo de vida (M.E.V.) através de princípios espirituais - não religioso, sem dogmas e divindades - que promovem o conhecimento interior das suas emoções, auto-conceito, competências e talentos, e uma conexão emocional com os outros e o mundo a sua volta (integração activa na sociedade).
Após a admissão em tratamento, em regime residencial de internamento, é iniciada a primeira fase (crucial) - interrupção do consumo de substâncias psicoactivas (auto-medicação de drogas, incluindo o álcool) geradoras de problemas e consequências negativas, ex. perda do controlo dos seus comportamentos, problemas de saúde e familiares, legais e profissionais. Para alguém dependente de drogas, incluindo o álcool, este “passo” é realmente assustador.
A síndrome da Abstinência (Ressaca - dor/sofrimento físico e psicológico) dura aproximadamente entre 15 a 30 dias, cada caso um caso. Hoje em dia, o sofrimento é mitigado por outras drogas lícitas, receitadas por médicos, que permitem ao indivíduo o desmame gradual das substâncias psicoactivas/adictivas até ficar abstinente - “limpo”.
Existem porém casos excepcionais de indivíduos que por um conjunto de razões/sintomas clínicos necessitam de recursos extra e mais prolongados (medicação - monitorizada pelo medico) a fim de permanecerem compensados e estáveis de forma a conseguirem assimilar e aderir ao programa de tratamento. Muitos destes casos, podem estar relacionados com as consequências da dependência das drogas (ex. neuroquímica do cérebro).
Fase Sindroma de Abstinência (Ressaca) 0 – 15 dias de abstinência
Alguns sintomas físicos e psicológicos: Cansaço, vómitos, vontade em usar drogas, incluindo o álcool (nesta fase, conheci indivíduos que ingeriram “aftershave” e álcool puro), pesadelos, suores frios, insónia, irritabilidade, deprimido, angustia e ansiedade, alterações extremas do humor, redução do apetite, dificuldade no raciocínio, na concentração e memória, dores de cabeça, perda do controle dos seus comportamentos (impulsos), atitude negativa e baixa resistência física á dor,
Nota: Observei indivíduos, em tratamento, descompensados psicologicamente, que apresentaram alguns destes sintomas, sem que o seu problema estivesse relacionado com drogas (ex. comportamento compulsivo ao sexo).
Fase da “Lua-de-mel” 16 - 45 dias deabstinência
Alguns Sintomas: “Andar na lua”, euforia, super-confiante - “Está tudo bem…Sinto bem”, Conseguiu ultrapassar a ressaca - sinonimo de dor e sofrimento vs. alivio. Demasiado optimista, negação e ambivalência, o aidcto interrompeu a compulsividade associado aos consumos, e nesta fase pensa que agora já consegue consumir drogas ou álcool de uma forma controlada, conhece outras pessoas que têm o desejo de parar de usar drogas, aprende que a adicção às substâncias psicoactivas é uma doença.
Ontem após mais uma consulta com um dos clientes fiquei a pensar nas consequências indesejáveis do uso de drogas ilícitas e da forma insidiosa e subtil com que uma pessoa fica "presa" a sua dependência.
Esta pessoa falava da forma como os seus impulsos o controlam e o conduzem, por vezes sem pensar nas consequências negativas dos seus actos, na obtenção da dose tão ardentemente e obsessivamente desejada. Ele questionava-se "João, será que algum dia irei sair deste ciclo vicioso que dá cabo da minha vida? Quero ter uma vida normal, sem drogas."
Esta afirmação parece legitima e profunda. Resume a constatação da sua ambivalência e impotência. Da frustração e da dor. Da sua incapacidade de autocontrolo e de falta de auto realização.
Ninguém deseja ser adicto. Ninguém deseja ser diabético. Ninguém deseja ter um cancro. Ninguém deseja sofrer de hipertensão. Isto significa que a dada altura da nossa existência jogamos na "roleta russa" por força das circunstâncias, das atitudes e dos comportamentos, do ambiente e da carga genética, Faz parte dos desafios da vida e da descoberta das nossas competências individuais e sociais. senão formos sujeitos a adversidade nunca saberemos realmente quem somos e para onde vamos.
Depois do grande confronto, da negação e da ambivalência, da vergonha e do sentimento de culpa, da raiva e do ressentimento, de culpar tudo e todos, incluindo Deus conforme cada um O/A concebe, nasce finalmente a "luz" e o adicto realiza que afinal é um sobrevivente resiliente. A lógica adictiva reforça o controlo. Paradoxalmente na adicção, o adicto muda as suas atitudes e comportamentos, quando descobre que é impotente.
Durante as consultas, não me canso de insistir na importância da fé e esperança junto daqueles que acompanho e que sofrem de doenças crónicas, e que almejam uma vida saudável e recompensadora . A vida encerra segredos que só são revelados aqueles que se atrevem e correm riscos. Acreditar na fé e na esperança é um risco porque buscamos uma fonte de poder imaterial fora de nós mesmos.
Na minha opinião, a maioria do ser humano ignora o grande potencial da realização espiritual, não religioso sem dogmas e divindades, até ser submetido a experiências adversas e/ou traumáticas, onde não existe o ego (orgulho doentio, arrogância, mentira, prepotência, a intolerância, etc.). Admitimos perante os outros que afinal falhamos, erramos, magoamos, nesses momentos "baixamos a cabeça", pedimos para ser perdoados e manifestamos o desejo de mudar - nasce a "luz". Passamos das palavras (promessas quebradas e dos falsos alibis) aos actos (pedir ajuda para a mudança e acreditar no desconhecido). A mudança pode ser um processo sensível - avanços e recuos (recaídas), recorremos à motivação, à inspiração e a orientação espiritual, não religiosa sem dogmas e divindades, que nos guia se nos mantermos no "caminho" do propósito e do sentido.
Será que quando ajudamos e servimos os outros (altruísmo, humildade, honestidade, dignidade, empatia) estamos a ser seres espirituais, capaz de gerar conexões necessárias para a ambicionada recuperação duradoura e recompensadora?
Alguns estudos realizados nos EUA revelam a importância da espiritualidade, não religiosa, numa abordagem complementar no tratamento da adicção. Juntos conseguimos correr os riscos necessários e obter da vida a realização dos "sonhos" que outrora achávamos impossível.
Adicção consiste no consumo frequente de substâncias psico-activas (dependência de álcool, drogas ilícitas e lícitas, incluindo o alcool e medicamentos receitados pelo medico - benzodiazepinas, tranquilizantes, ansioliticos, analgésicos) ou de comportamentos (sexo, jogo patológico, disturbio alimentar, relacionamentos, trabalho patológico, compras - shopaholics, furto - shoplifting).
No caso das drogas lícitas, incluindo o alcool, e as ilícitas é caracterizado pela perda de controlo (uso continuo apesar das consequências negativas e da incapacidade em permanecer abstinente; aumento da tolerância à substancia (aumenta a frequência e as quantidades para se obter o efeito desejado) e o síndroma de abstinência, vulgo ressaca.
No caso dos comportamentos compulsivos é caracterizado pela perda total de controlo (insanidade/crises exacerbadas/problemas); esforços repetitivos para interromper (controlar) o comportamento problema falham, preocupação frequente ( torna-se o assunto n.º 1 – central na vida da pessoa, o mais importante); negligencia obrigações familiares, sociais, ocupacionais e recreativas de forma a manter a preocupação, bem como, os esforços repetitivos em controlar (comportamento problema) - Ciclo adictivo. Em alguns casos pode ser crónico, progressiva, e por vezes fatal.
Todavia é possível interromper a progressão da adicção e assim iniciar a recuperação.
Existe a Esperança. Caso identifique um problema de comportamento gerador de sofrimento peça ajuda.
"Um conceito disfuncional de crenças individuais e sociais sobre o controlo, será um dos grandes obstáculos à recuperação para qualquer adicto/a. Perda de controlo, luta pelo controlo e resistência ao controlo – são tópicos frequentes nas reuniões de interajuda dos 12 Passos dos Alcoolicos Anonimos e que normalmente geram grande discussão.
Controlo como uma Ilusão Não se controla ou jamais se controlará pessoas e/ou algumas situações/eventos do dia-a-dia. A historia revela-nos que quantos mais os ditadores querem controlar uma nação inteira, mais violentos se tornam. Quanto mais se procura controlar a adicção de outra pessoa a probabilidade da adicção vir afectar negativamente a relação entre essas duas ou mais pessoas é enorme. Quando na realidade se começa a compreender que é completamente impossível controlar todos os nossos próprios comportamentos e crenças ou de outros à nossa volta, constata-se que o controlo não é nada mais do que pura ilusão.
Obstáculos ao 1º Passo dos Alcoolicos Anónimos (AA)- “Admitimos que éramos impotentes perante a nossa adicção; e que tínhamos perdido o domínio sobre as nossas vidas”
A ilusão, nos comportamentos adictivos, é um obstáculo real à aceitação do Primeiro passo, que refere “Somos impotentes perante a nossa adicção e que a nossa vida se tornou desgovernada”.
O adicto/a procura quase sempre mascarar a sua incapacidade de controlar afirmando com convicção “Quem eu?! Eu consigo controlar...”
Quanto mais o adicto/a permanece agarrado a esta falsa crença, que está a controlar o seu comportamento problema, irá continuar imobilizado – “preso” no Primeiro Passo (impotência e desgovernabilidade), incapaz de progredir e evoluir (mudança) na sua recuperação.
A maioria dos adictos reconhece quando outras pessoas exclamam “Quanto mais quero controlar, mais difícil se torna sair do problema.”
Porque é que é tão difícil abolir este tipo de comportamento destrutivo? Porque abandonar este tipo de controlo é demasiado ameaçador à doença da adicção (lógica adictiva). Outro factor importante, para a maioria dos adictos, tem a ver com o seu historial no relacionamentos com pessoas do tipo autoritário (figuras/modelos autoritários), identificam o pânico em perder o controlo e a "intoxicação mental" provocada pela ilusão de poder.
Famílias disfuncionais - aqueles cuja família de origem é disfuncional identificam um extrema dificuldade em se render ao controlo. Crescem numa família aprendendo a “sobreviver às crises dolorosas” através de controlo. Desenvolvem competências cognitivas/emocionais (mecanismos) de forma escapar à dor intensa (reprimindo e ou “adormecendo” a dor), sentem um medo intenso, ao pensarem que alguém, mesmo um Poder Superior comanda as suas vidas. De facto, as mesmas competências (mecanismos) que os mantêm “protegidos” emocionalmente e nalguns casos até fisicamente, essas mesmas competências podem interferir negativamente na sua recuperação.
Influência - Outro obstáculo à rendição/entrega da ilusão do controlo pode ser a inexistência de um modelo alternativo de forma a entender as situações corriqueiras do dia-a-dia. Processo cognitivo “Se não tens o controlo das situações. Então como é que se faz?"
Um conceito alternativo adequado è a Influência. Como não consegue controlar outros, todavia pode influenciar as suas vidas, por ex. ser um modelo/referencia. Este conceito da Influência, pode ser melhor entendido, se pensar, num extremo, existe um circuito de influencia mais profundo (ex. relação com um parceiro/a ou criança - filho/a) até à inexistência de qualquer tipo de Influência, no outro extremo oposto (uma influencia básica). Pode simplesmente influenciar aqueles por quem é responsável, em vez de os controlar. Este conceito pode ser algo libertador e suavizar o fracasso da necessidade de controlo.