Contra o estigma, a negação e a vergonha associados aos comportamentos adictivos. O silêncio não é seguramente a melhor opção para a recuperação; ninguém recupera sozinho.
Contra o estigma, a negação e a vergonha associados aos comportamentos adictivos. O silêncio não é seguramente a melhor opção para a recuperação; ninguém recupera sozinho.
A atividade relacionada com o Jogo, poderá transformar-se numa adicção/dependência, processo semelhante, por exemplo ao alcoolismo. Até recentemente, a dependência do Jogo (online e offline) era considerada tabu devido ao estigma e não existir informação pública sobre as causas, mecanismos e tratamento numa abordagem multidisciplinar. Quando surgem notícias, o Jogo está associado a casos de crime/polícia, aumentando exponencialmente o estigma. Aquilo que não compreendemos temos a tendência para ignorar e ao contrário do alcoolismo, na dependência do Jogo as pessoas não ingerem no seu organismo qualquer drogas, apesar de alguns indivíduos adictos ao jogo, também abusarem de algumas drogas, referimo-nos por exemplo, a cocaína e ao álcool. Atualmente, apesar de o Jogo Online ter agravado o número de indivíduos dependentes, existe uma maior informação, compreensão sobre a natureza da doença, o conhecimento dos seus mecanismos e a implementação de medidas, junto de terapeutas, investigadores e decisores políticos a fim de desenvolverem abordagens eficazes na prevenção, na procura de tratamento e na recuperação.
Apesar de já estar disponível numa publicação antiga, neste blogue, vou apresentar mais uma vez as “Fases do Jogo Compulsivo, pelo Dr. Robert Custer.”
Fases do Jogo Compulsivo
Três fases distintas na progressão da adicção ao jogo pelo Dr. Robert Custer.
Primeira fase: Busca da euforia/acção – designada “sorte do principiante”, onde este perde e ganha nas suas sessões de jogo, perde algumas somas/poupanças significativas, faz empréstimos (ex. dinheiro emprestado a amigos ou familiares), todavia nesta fase ainda não sente o desconforto gerado pelos seus comportamentos.
Fase da procura da reposição do que gasta e perde. Nesta fase, surgem os danos significativos. Identificam-se as tentativas desesperadas de repor (reembolsar) as perdas, intensificam-se ainda mais as sessões de jogo (frequência e a duração). A autoestima deteriora-se e o sentimento de culpa intensifica-se. Esta fase pode prolongar-se por vários anos.
Fase de desespero, o indivíduo é totalmente obsessivo com o jogo. As perdas e o endividamento assumem dimensões significativas. Nesta fase, o indivíduo recorre a atividades ilegais como consequência da impulsividade. A família, a carreira profissional e a vida social ficam devastadas. Nesta fase, os jogadores adictos contemplam o suicídio e/ou a fuga (por exemplo: mudanças geográficas). Problemas com legais/justiça e, em última instância pedem ajuda para o seu comportamento problema.
Algumas atividades lícitas e/ou ilícitas associadas ao jogo: casinos, casinos online, apostas online, apostas desportivas, jogos de cartas, dados, lotarias e bingos.
20 PERGUNTAS sobre o Jogo:
Você já perdeu horas de trabalho ou da escola devido ao jogo?
Alguma vez o jogo já causou infelicidade na sua vida familiar?
O jogo afectou a sua reputação?
Você já sentiu remorso após jogar?
Alguma vez jogou para obter dinheiro para pagar dívidas ou então resolver dificuldades financeiras?
O jogo causou uma diminuição na sua ambição ou eficiência?
Após ter perdido você se sentiu como se necessitasse voltar o mais cedo possível e recuperar as suas perdas?
Após um ganho sentiu uma forte vontade de voltar e ganhar mais?
Você geralmente jogava até ao seu último cêntimo?
Você já pediu dinheiro emprestado para financiar o jogo?
Alguma vez vendeu alguma coisa para financiar o jogo?
Você já esteve relutante em usar o “dinheiro de jogo” para as despesas normais?
O jogo tornou-o descuidado com o seu bem-estar e o de sua família?
Alguma vez você já jogou por mais tempo do que planeava?
Alguma vez você já jogou para fugir de preocupações ou problemas?
Alguma vez você já cometeu, ou pensou em cometer um acto ilegal para financiar o jogo?
O jogo fez com que você tivesse dificuldades em dormir?
As discussões, desapontamentos ou frustrações fizeram com que você tivesse vontade de jogar?
Alguma vez você já teve vontade de celebrar alguma boa sorte com algumas horas de jogo?
Alguma vez você já pensou em provocar danos/magoar-se a si próprio como resultado de seu jogo?
Se 8 ou mais respostas positivas significa que tem adicção ao jogo.
Escala retirada dos “Jogadores Anónimos” e validada “cientificamente” como instrumento diagnóstico para definição de jogado compulsivo.
Se identificar um problema peça ajuda, antes que o problema tome conta da sua vida.
«Não é o peso que dita a saúde e o amor próprio» Redefinir a Imagem Corporal
E atrevo-me a acrescentar, peso e imagem. Contrariamente, ao que podemos pensar, algumas pessoas com o peso e imagem, dito, «ideal» não são pessoas com autoestima, visto adotarem comportamentos e dietas disfuncionais, em relação a uma alimentação saudável e equilibrada. No caso da perturbação do comportamento alimentar (anorexia, bulimia, ingestão compulsiva, vulgo binge eating) é o equivalente à ditadura dos números (vive-se em função do numero das calorias, do peso na balança e da imagem).
Segundo o Dr. Walter Kaye, investigador da Universidade da Califórnia (San Diego, EUA) afirma que as crianças predispostas a desenvolver a perturbação do comportamento alimentar são perfecionistas, ansiosas e os comportamentos são orientados por desafios rigorosos, competição excessiva e extremamente exigentes consigo próprios, assim como, estão vulneráveis às dietas restritivas e à imagem corporal. Contudo, a perturbação do comportamento alimentar revela-se mais complexa do que as características perfecionistas e pessoas extremamente competitivas.
Normalmente, quando temos acesso a informação sobre a perturbação do comportamento alimentar (PCA) são através de noticias, nas revistas ou na televisão, de figuras publicas a assumirem o seu problema. Na maioria dos casos, são mulheres, atrizes ou modelos. Desta forma, podemos ficar com a ideia errada, de que a perturbação do comportamento alimentar está somente associada aos fatores externos; à pressão cultural do «corpo perfeito» e às pessoas do sexo feminino. Apesar dos fatores culturais, das questões familiares e ou eventos traumáticos, estarem associados à perturbação do comportamento alimentar, de acordo com a investigação mais recente, não são assim tão relevantes como se pensava, os fatores determinantes que contribuem para o PCA estão localizados no cérebro (funcionamento de algumas estruturas cerebrais – circuitos neuronais). É fundamental, compreender os fatores associados à doença, a fim de, desenvolverem-se abordagens inovadoras ao tratamento. Para a maioria das pessoas, sentar-se à mesa, proporciona sensações agradáveis, contudo para as pessoas com perturbação do comportamento alimentar, a mesma situação proporciona sensações desconfortáveis e preocupantes. Aparentemente, isso acontece por questões biológicas (International Journal of Eating Disorders, 2012).
O pai de Laura tinha um problema com o alcool, nesse sentido, ela decidiu escrever uma carta ao « Jack, amigo do pai». Sabia que as crianças, são negligenciadas nos casos em que o progenitor ou ambos abusam do álcool? São o elo mais fraco.
Ao visualizar este video, recordo as variadíssimas historias de mulheres, que acompanhei em tratamento do alcoolismo (e abuso do álcool), ao longo dos últimos vinte anos, em que todas, são poucas as excepções, referem os danos causados pela doença da adicção e a impotência para travar os abusos físicos, emocionais e sexuais. Traumas que permanecem para a vida e com os quais aprendem a viver, o melhor possível. Enquanto outras mulheres, também sujeitas ao abuso, permanecem em silencio, vitimas do estigma e da vergonha.
Ao contrario do que acontecia há vinte anos, actualmente, o numero de mulheres com problemas com o álcool tem aumentado significativamente. Isto significa que a cultura e os padrões de consumo (e abuso) de bebidas com teor alcoólico, por parte das mulheres, tem sofrido algumas alterações significativas, na minha opinião profissional, para pior, resulta em perda de qualidade de vida.
Ser mãe de um adicto não é a mesma coisa que ser mãe de um filho com cancro, diabetes ou VIH.
Ser mãe de um adicto não é a mesma coisa que ser mãe de um filho que serve o seu país no estrangeiro com honra.
Ser mãe de um adicto não é a mesma coisa que ser mãe de um filho que já não vive em casa, é chorado e lembrado todos os dias, pelos seus entes queridos
Sou a mãe de um adicto
Não existem maratonas, campanhas de angariação de fundos ou campanhas de sensibilização com pessoas bonitas e famosas sobre os efeitos trágicos desta doença
Não existem bandeiras hasteadas ou pulseiras coloridas que sirvam para reconhecer, orgulhosamente, as acções do meu filho
Só existem lagrimas, gritos silenciosos e angustia quando alguém bater à porta ou através de uma chamada telefónica com uma notícia trágica de algo que possa ter acontecido ao meu filho
Sou a mãe de um adicto
Vejo o meu filho todos os dias, mas não estou feliz, embora ache, com um certa dose de alívio, que a melhor maneira de o ajudar, não é querer controlar, pelo contrário, é deixar que ele tenha a sua própria vida e aprenda com as consequências das suas decisões
Quando oiço aquilo que ele diz, antecipo com medo e preocupação o futuro do meu filho, apesar de tudo, ainda tenho uma réstia de esperança
Quando olho para o meu filho, questiono-me se algum dia irei voltar a ter uma relação de confiança com ele, abraça-lo ou em último caso, se irei voltar a vê-lo outra vez
Este artigo foi publicado no Jornal de Negócios (17 de Fevereiro de 2014)e está disponível só para assinantes online , nesse sentido, disponibilizo-o para si que é seguidor do blogue Recuperar das dependencias.
Jornal de Negócios: Nos últimos anos, o volume de jogos de fortuna e azar e apostas desportivas foram aumentando quer em locais físicos, mas como através da Internet. Esse crescimento foi acompanhado pelo registo de incremento de pessoas com adicção de jogo?
O incremento de pessoas com adicção ao jogo e o jogo patológico, através da internet tem sido exponencial. Por exemplo, no final dos anos 90 a maioria dos indivíduos adictos ao jogo, em casinos, eram adultos na casa dos 40 e dos 50 anos. Hoje em dia através do acesso online, chegam às consultas indivíduos com problemas associados ao jogo com idades entre os 24 e os 30 anos. Todavia, isso não quer dizer que todos sejam adictos ao jogo, isto é, alguns são indivíduos com problemas associados ao jogo que varia entre moderado e grave. Na sua pergunta refere adicção, nesse sentido, importa saber o que é a adicção. A adicção afecta a saúde do indivíduo, os vínculos familiares, incluindo das crianças, o desempenho profissional e a qualidade de vida. Ser adicto não é uma escolha pessoal. Ao longo de vinte anos de experiência profissional, na área da adicção, nunca ouvi nenhum individuo afirmar que escolheu ser adicto. Não é um acto voluntario, o individuo perde o controlo, a compulsividade, o craving (desejo intenso e irracional pela actividade) e continuação do comportamento apesar das consequências negativas. A Sociedade Americana da Medicina da Adicção define a adicção como uma doença primária, crónica que interfere e afecta o sistema/estrutura do cérebro responsável pelo prazer e recompensa, pela motivação e memoria e os circuitos neuronais adjacentes. Sabemos que uma alteração e disfunção destes circuitos neuronais conduzem ao aparecimento de sintomas a nível biológico, psicológico, social e espiritual no indivíduo, que se reflectem na busca e recompensa patológica do prazer. Por outras palavras, a adicção funciona como uma “almofada” perante determinadas situações e adversidades ao longo da vida do indivíduo. Este fenómeno repete-se com a adicção às substâncias psicoactivas lícitas, incluindo o álcool, as ilícitas, vulgo drogas, com o jogo, o sexo, as compras, o furto. A fim de ficar esclarecido existe um critério que identifica o jogo problemático (moderado a severo) e um critério para a adicção (doença primária e crónica). A adicção não é um vírus.
Segundo estudos (American Medical Association, EUA, 2000) existem factores genéticos em comum entre os indivíduos jogadores patológicos do sexo masculino e o álcool. Todavia, também gostaria de referir que nas últimas duas décadas, com os avanços tecnológicos e a investigação, principalmente nos EUA e Canadá, ainda estamos a aprender sobre o que é a adicção; as causas, a identificar aqueles indivíduos mais vulneráveis e os tratamentos disponíveis mais adequados.
Jornal de Negócios: É possível traçar o perfil do jogador compulsivo?
Segundo uma investigação no Canadá, os indivíduos com problemas associados ao jogo compulsivo (patológico) apresentam quatro vezes mais probabilidades de serem diagnosticados com doença mental, relacionado com perturbação do humor e ansiedade, do que os indivíduos não jogadores. A actividade associada ao jogo começam na adolescência, com mais prevalência no sexo masculino do que no sexo feminino.
Na minha experiencia profissional o perfil do individuo jogador compulsivo oscila entre os 24 e os 56 anos. Sexo masculino, classe media/alta, licenciados com carreiras profissionais estáveis, trabalham em excesso, têm dívidas, gostam de quebrar regras e correr riscos, são impulsivos e egocêntricos. Acreditam que o dinheiro é a causa e/ou a solução para os seus problemas. Alguns deles afirmam, em situações de desespero, ideações e tentativas de suicídio. Alguns destes indivíduos são oriundos de famílias desestruturadas com problemas de álcool, jogo e violência doméstica.
O dia 26 de Junho assinala o Dia Internacional Contra o Abuso de Drogas e o Trafico Ilícito. Este dia, para mim, é de reflexão, onde dedico algum tempo à pesquisa de artigos publicados forma a manter-me actualizado sobre a evolução deste fenómeno avassalador, para uns representou uma verdadeira tragedia. Nomes sonantes vítimas das dependências, recordo, Micael Jackson, Amy Winehouse e Whitney Houston, só para enumerar alguns, sem esquecer os indivíduos desconhecidos e as suas famílias.
Em Portugal, estou em crer, que este dia, nunca mereceu a devida atenção e até posso acrescentar que para a maioria da população portuguesa passa despercebido, principalmente devido ao estigma, à negação e à vergonha associados à dependência de substâncias psicoactivas, vulgo toxicodependência. Estamos atrasados duas décadas em relação ao que se pratica, se ensina, investiga e no tratamento das dependências a nível internacional. Trabalho nesta área, desde 1993, e ainda constato, por parte dos profissionais de saúde, um certo tipo de ignorância e/ou desinteresse. Por exemplo, as universidades portuguesas ainda não possuem as condições e os recursos necessários a fim de motivar os seus alunos para a área das dependências. Tenho outro exemplo, mais concreto, conheci vários psicólogos e são unânimes em afirmar que aquilo que aprendem, sobre as dependências nas universidades, é insuficiente. Já para não referir a questão da prevenção das dependências, que tal como o tratamento do abuso e dependência de drogas, é uma matéria que ainda não mereceu por parte dos responsáveis políticos, dos media, dos tribunais e dos advogados, das mais diversas Ordens de profissionais da saúde e da sociedade em geral a devida atenção. Todos nós, eu e você, negamos as evidências óbvias.