Contra o estigma, a negação e a vergonha associados aos comportamentos adictivos. O silêncio não é seguramente a melhor opção para a recuperação; ninguém recupera sozinho.
Contra o estigma, a negação e a vergonha associados aos comportamentos adictivos. O silêncio não é seguramente a melhor opção para a recuperação; ninguém recupera sozinho.
O meu nome é Tó-Zé para além de dependente químico e alcoólico em recuperação há 12 anos, 3 meses e 7 dias. Também estou em recuperação da Adicção à nicotina há 2 meses e dois dias, só posso dizer que me sinto um milagre com pernas, pois para conseguir estar livre de todas estas dependências, só por hoje, é o meu maior investimento e tesouro.
Quanto à recuperação da adicção à nicotina o que posso dizer é que não foi fácil e continua a ser um desafio diário. Passei pelo menos 22 anos de consumo diário desde que acordava, aquele ritual do café e do cigarro, até antes de apagar a luz ao deitar-me o cigarro foi o meu melhor amigo. A nicotina a droga que o acompanha, de uma forma praticamente indolor e eficaz em lidar com tudo. O cigarro, o maço de tabaco estava sempre comigo para onde quer que fosse. Esta mudança tem sido provavelmente a decisão mais dura que tomei em recuperação, pois já há alguns anos que tinha o desejo de parar.
Fiz várias tentativas com os métodos que todos conhecemos e não resultou voltava sempre a acender só mais um que me levava a um maço de seguida e diariamente andava na casa dos dois maços sentia-me pessimamente por depender desta droga mesmo estando em recuperação há vários anos. Comecei a sentir que a relação que tinha com os cigarros era semelhante às drogas, mais tarde de facto vim a aceitar que a nicotina é uma droga e que os cigarros são uma invenção de engenheiros químicos que permitem levar a nicotina e os 4000 químicos que compõem o fumo do cigarro a entrar na corrente sanguínea até atingirem o cérebro. De facto, é uma droga poderosíssima, pela minha experiência de muitas tentativas. Esta droga foi mesmo a mais difícil de deixar e é mesmo só por hoje. Há dias que é só por agora.
Existem no entanto grupos específicos para lidar com esta adicção. Existe uma reunião que passou a funcionar às segundas-feiras às 20h no ATL da Galiza em S.João do Estoril. Este grupo tem-me ajudado a manter este compromisso pessoal que tanto desejei e que hoje estou a desfrutar. Viver limpo é gratificante, a saúde é uma nova experiência, convido todos os que já beneficiam deste bem-estar assim como quem deseje experienciar esta liberdade a aparecer na nossa reunião. Obrigado +24h
Comentário: Os parabéns ao Tózé pela sua recuperação. A natureza da adicção activa varia de individuo para individuo dependendo da vários factores internos e externos, todavia gostaria de salientar a esperança e a gratidão para quem procura recursos, de forma a melhorar a sua qualidade de vida. Se você comparar os benefícios do consumo de tabaco com as consequências negativas pode contemplar a mudança de rotinas e hábitos associados ao consumo. Recursos são a palavra de ordem.
Certos comportamentos e/ou o consumo de substâncias psicoactivas associados a certo tipo de indivíduos, dependendo de alguns factores bio-psico-sociais conseguem transformar drasticamente, e em alguns casos, por em risco, a vida dessas mesmas pessoas. A dependência de varias substâncias psicoactivas e/ou comportamentos adictivos podem aparecer no mesmo indivíduo.
Todavia ninguém fica dependente/adicto de um dia para o outro. Através de um acto voluntário inócuo, por ex consumo de substâncias psicoactivas, actividades relacionadas com o jogo, sexo, comida, compras, associado ao lazer e/ou prazer, pode despoletar no individuo sensações de bem estar, cujas memorias futuras serão um reforço positivo e assim aprender os efeitos de agir no prazer e na gratificação imediato – sensação de boas vindas aquele estado de espiríto relaxante e/ou energético. A repetição dos comportamentos poderá despoletar hábitos, crenças e rituais, é um processo que é determinado e influenciado pelas caracteristicas do indivíduo e pela substância psicoactiva e/ou comportamento - factores bio-psico-sociais. Sabia que todos nós estamos expostos a este fenómeno?
Algumas substâncias psicoactivas geradoras de dependência/adicção
Álcool – Estima-se que existam meio milhão de alcoólicos em Portugal.
Drogas ilícitas – Segundo dados do Instituto da Droga e da Toxicodependência indicam que em 2006, 32 460 pessoas participaram em consultas (tratamento ambulatório), principalmente consumidores de heroina (substância opiacea altamente adictiva). Em 2001, 7.8% da população com mais de 15 anos já experimentou drogas. Gostaria de referir que segundo um relatório anual da Organização Internacional de Controlo de Estupefacientes (OICE) o consumo de substâncias psicotrópicas legais (por ex- benzodiazepinas - tranquilizantes, ansioliticos) é maior em Portugal do que em qualquer outro país europeu à excepção da Irlanda. O OICE é um organismo das Nações Unidas a quem cabe analisar o cumprimento das três convenções da ONU sobre droga, afirma que as razões por trás deste consumo exagerado de drogas legais não são conhecidas pelas autoridades portuguesas.
Tabaco – Existem no nosso país aproximadamente 2 milhões de fumadores. Deste universo, 70% afirma querer largar a dependência mas apenas 10% a 15 % consegue deixar de fumar, segundo números da Sociedade Portuguesa de Pneumologia.
Cafeína – O consumo de café em Portugal percapita, em Portugal, ultrapassa os 10 gr diários, o equivalente a 2 cafés em cada 3 dias por pessoa. Entre 1990 e 2003 , o aumento foi de 18% de acordo com o Instituto de Nacional de Estatística.
Alimentação – A obesidade atingia, entre 2005 e 2006, 16,5% dos portugueses com mais de 18 anos, segundo o Instituto Nacional de Saúde. Algumas estatísticas revelam que os homens (20,8%) sofrem mais deste problema do que as mulheres (16,6%). A anorexia, bulímia nervosa, a ingestão compulsiva e a obesidade, são doenças graves com elevados custos psico-sociais.
Nesta altura é um tema que tem gerado imensa polémica por causa da nova lei anti-tabaco. Na minha opinião, ainda bem, contudo acabará por passar e só mais tarde iremos avaliar os benefícios. Pessoalmente, já encontrei imensos. Penso que esta nova lei pode suscitar um despertar de consciência individual/publico do problema associado ao tabaco e assim contribuir com um pequeno empurrão junto daqueles que contemplam parar de fumar, bem como, melhorar os ambientes fechados - livres de fumo.
A grande maioria dos adictos a drogas, incluindo o álcool, fumam tabaco há já alguns anos, antes mesmo de inicarem os consumos das drogas lícitas, incluindo o alcool, e as ilícitas. Muitos começam a fumar tabaco no inicio da pré-adolescência, mesmo antes de algum dia pensarem em consumir outro tipo de drogas. Para alguns especialistas é o inicio do processo adictivo a substâncias alteradoras do humor (Dr. Abraham J. Twerski) – “portas” que se abrem sucessivamente umas as outras.
O inicio do consumo de tabaco é como um ritual de passagem para a idade adulta onde se procura a independência e a autonomia – esta cultura, tal como acontece com o consumo de bebidas alcoólicas, é passada de geração em geração. Apesar de o tabaco ser uma substância toxica e adictiva, a curiosidade de experimentar e a sensação de impunidade e invencibilidade (risco e perigo), a pressão do grupo de pares, são algumas das características comuns da maioria dos jovens que se sobrepõem ao bom senso (contemplar os benefícios a médio e longo prazo (ex. saúde e aspectos financeiros; poupança), a assertividade (ex. dizer não quando sujeito á pressão dos amigos), resiliência, interpretação correcta das mensagens (ex. publicidade), a informação e discussão aberta do assunto. Muitos jovens afirmam “Dizem por aí que faz mal à saúde e à carteira,... então porque é que os meus pais, tantos jovens e adultos continuam a faze-lo?!!"
Na verdade, é uma acto social (status) puxar de um cigarro, de um charuto ou cachimbo, mesmo sabendo que prejudica a própria saúde e a dos outros (fumadores passivos).
Como se sabe a nicotina é uma droga (alcalóide da planta do tabaco e uma substância estimulante adictiva) que provoca dependência. Afecta a parte física, mental e espiritual, não religioso sem dogmas e divindades, do indivíduo (afecta a forma como o individuo sente, pense e age). Alguém que esteja dependente de nicotina sabe perfeitamente os sintomas do síndroma de privação – abstinência. Alguns sintomas, ex. excitação, impaciência, irritabilidade, depressão, ansiedade e agressividade, má disposição, dificuldade de concentração que pode diminuir a atenção ou memória, aumento do apetite e do peso corporal e diminuição da frequência cardíaca.
Após fumar um cigarro, o individuo passado uns minutos começa aquela vontade de fumar outro cigarro. Uma vontade “inofensiva” que permanece na mente do fumador “Vá lá... já fumava outro cigarrinho”. Vontade que se não for saciada nesse momento pode tornar-se numa preocupação “Então?!...Vá lá...Puxa lá do cigarro... e acende-o.” E este tipo de preocupação tem tendência a tornar-se mais exigente, desconfortável e irracional, como quando se está com fome ou sede. Não se olha a meios para atingir os fins. Porque será que grandes negócios se realizam á mesa de um restaurante?
Na minha opinião, tal como já foi referido neste blogue varias vezes, este mecanismo faz parte de um conjunto de sistemas associado à adicção (comportamentos adictivos). A relação do individuo e as substâncias psicoactivas, neste caso o tabaco, é um instinto que está ligado a nossa parte animal e primitiva das nossas atitudes e comportamentos. Perante a dependencia, é a nossa “sobrevivência” que naquele momento está em causa (busca de prazer e recompensa). Aprendemos a depender deste mecanismo (lógica adictiva) para sobreviver perante a adversidade (ex. sintomas desconfortáveis e dolorosas do síndrome da abstinência). Ninguém gosta de sofrer e todos “fugimos a sete pés” do desconforto e procuramos atalhos associados á componente do prazer, do bem-estar e da recompensa. Acabamos por acabar presos nesta “teia” – num ciclo adictivo. Como dizia uma colega “efeito pescadinha rabo-na-boca”.
Quando alguém afirma que adora fumar e que nem sequer contempla parar de fumar, compreendo o seu elevado grau de satisfação (bem-estar, recompensa) enquanto fumador. Mas se colocar os aspectos positivos e os aspectos negativos , na balança decisória para onde é que pendem os pratos da balança? Como é que a dependência do tabaco afecta a liberdade de escolha e a qualidade de vida de cada indivíduo no seu dia-a-dia?
Gostaria de salientar que a dependencia do tabaco em cada indivíduo é um caso a ponderar e um diagnostico diferenciado. Existem pessoas que pura e simplesmente deixam de fumar e assim permanecem durante longos períodos de tempo, orgulhosos e satisfeitos com as suas decisões. Enquanto outros não querem parar de fumar, outros ainda contemplam um plano para parar de fumar, mas ainda nada está decidido, permancem em negociação e ambivalência vários meses ou anos, outros individuos fazem varias tentativas para parar de fumar curtas e sucessivas sem sucesso, e ao mesmo doloroso associado ao sindrome da abstinência, onde identificam uma sensação amarga de derrota e desilusão, visto não conseguirem permanecer o tempo desejado “livres” do tabaco.
Será que o receio de falhar, a frustração e dor podem ser uma barreira? Será que ponderar e centrar-se, seriamente nos aspectos positivos de párar de fumar podem ser uma forte motivação capaz de gerar sucesso e auto-realização? Será relevante identificar as barreiras e as situações de risco de deslizes e recaídas ? Porque será que muitos fumadores deixam de fumar depois de o seu medico informar que podem estar em risco de contrair uma doença grave? Mais uma vez, o problema não se pode colocar na substância, mas sim nas pessoas. Cada caso um caso.
Para aqueles individuos que estão em tratamento, em regime de internamento de substâncias licitas ou ilícitas (drogas, incluindo o álcool), que desejam ou contemplam a vontade de parar de fumar considero que esse seja o momento oportuno para parar de fumar e pedir ajuda. Hoje existem recursos e alternativas viáveis e de confiança.
Muitos adictos em recuperação das substâncias lícitas, inlcuindo o alcool, e as ilícitas, após um período significativo de tempo os primeiros cinco anos, se interrogam seriamente sobre a sua dependência do tabaco e identificam opções mais saudáveis e geradoras de motivação e qualidade de vida. “Se muitos conseguem, deixar de fumar, porque é que não hei-de também conseguir?! “
A vida tem um fim para todos. Ninguém sabe quando e como, o que por vezes torna a perspectiva da morte (medo do desconhecido) assustadora. Será que o final de vida termina abruptamente, de repente?! Por ex. acidentes e/ou doenças, culminando com situações devastadoras e extremamente dolorosas. Perder o controlo e não realizamos os nossos sonhos e ambições.
A recuperação da adicção activa permite aos adictos pensar, com uma consciencia honesta, nas suas escolhas e adoptar hábitos e rotinas de vida saudaveis. Em recuperarção contemplam e ambicionam com objectivos de vida, que outrora não considerariam possível atingir; é um processo espiritual, não religioso sem dogmas ou divindades (relação com as outras pessoas e com um poder Superior), dinâmico e de auto realização. Para alguns, são os sonhos e a ambições que se tornam realidade.
Não precisamos de ser adictos para ficarmos extasiados de gratidão quando sentimos que houve uma transformação interior, algo cresceu, quando nos tornamos pessoas melhores. Por ex. quando partilhamos uma experiência enriquecedora com outra pessoa. Quando ouvimos relatos de pessoas que conseguiram superar doenças e ou os seus “fantasmas”. Somos uns sobreviventes. Viver o momento permite usufruir da liberdade de escolha. Dizer e afirmar Não, sem sentir culpa, quando pensamos, passivamente, em dizer sim. Ser assertivo, em vez de passivo ou agressivo
Na minha perspectiva, é um passo significativo na recuperação quando se pára de fumar e se encara a realidade sem substâncias alteradoras do humor (adictivas) lícitas e ou ilícitas. Recuperar é que está a dar. Nesse sentido, “bem-vindos ao clube”.