Contra o estigma, a negação e a vergonha associados aos comportamentos adictivos. O silêncio não é seguramente a melhor opção para a recuperação; ninguém recupera sozinho.
Contra o estigma, a negação e a vergonha associados aos comportamentos adictivos. O silêncio não é seguramente a melhor opção para a recuperação; ninguém recupera sozinho.
Um estudo publicado no Journal of Studies on Alcohol and Drugs apurou que os indivíduos que acreditavam não ter força para combater as suas ânsias eram mais propensos a voltar a beber ou consumir drogas. As crenças dos adictos relativamente à sua impotência eram tão relevantes para determinar se teriam uma recaída após tratamento quanto o nível de dependência física a que haviam chegado. O quadro mental é tão importante como a dependência física. Aquilo que pensamos e dizemos a nós próprios revela-se de uma importância extrema. Rotular-se a si mesmo como possuidor de fraco autocontrolo conduz a menos autocontrolo. Em vez de pensarmos e dizermos a nós próprios que falhamos (por exemplo: mais uma vez… é a segunda tentativa…) devido a qualquer tipo de carência, devíamos de pensar e dizer, a nós mesmos, precisamente o contrário. A conversa interior (selftalk/mentalmente) será mais produtiva se o fizermos com auto compaixão por enfrentarmos adversidades, por desistir, pela rendição, por dores de crescimento e cometer erros é ok. Vários estudos, concluíram que a auto compaixão proporciona uma forte motivação (mindset) relacionado com o bem-estar. Podemos mudar a moldura mental (selftalk - mindset)? Sim, através da mesma mente irrequieta que gera problemas (castigadora/rigidez/pensamentos negativos, juízo excessivamente critico) iniciamos um pacto de tréguas através do autoconhecimento, da autocritica construtiva (feedback com pessoas de confiança) e o poder da auto compaixão. Aquilo que pensamos e dizemos a nós mesmos, principalmente, nas situações adversas revela-se de extrema importância, se queremos mudar, mudamos o que pensamos e o que dizemos a nós próprios – a mente é a mesma, as crenças é que mudam.
Reprimir ou adaptar-se à emoção?
Fiodor Dostoievsky, 1863 escreveu o seguinte «Tente atribuir a si mesmo esta tarefa. Não pensar num urso polar. Imediatamente, verá que a maldita menção ao urso polar lhe vem à cabeça a palpitar durante um período de tempo. Mais recentemente, foram efetuados estudos sobre «pensarmos no urso polar e ficarmos a ruminar no assunto» e os resultados referem que a repressão do pensamento e emoção durante os primeiros cinco minutos, conduz a uma forma mais proeminente e intensa na mente dos participantes (artigo divulgado na publicação Monitor on Psychology). Quando reprimimos uma emoção estamos a enganar a nós próprios, pensando que ao faze-lo conseguimos afastar a fonte do descontentamento. É um mito, é uma falsa crença, não controlamos pensamentos e sentimentos. Quando estamos a reprimir pensamentos e sentimentos, naquele momento, estamos a permitir que as emoções surjam mais tarde, com intensidade e com diferentes nuances e dinâmicas. Gerador do efeito de «bola de neve», ficamos expostos aos impulsos, à negação, ao ressentimento, raiva e à autocritica negativa. Nestas situações, surgem as ânsias, a ruminação ansiosa, a ausência de auto compaixão, perda das funções cognitivas (lidar com conflitos adicionando mais conflitos) e o sentimento de autoeficácia mingua, sinais e sintomas identificados nos comportamentos adictivos.
Como promover o sentimento de autoeficácia perante a adversidade (adicção)?
Atualmente, sabemos que certos circuitos e estruturas neuronais estão associados à adicção, a dopamina (neurotransmissor) é uma caraterística biológica comum em todas as dependências e comportamentos adictivos.
Dopamina, neurotransmissor que despoleta o gatilho (desperta) do desejo, da vontade associado ao prazer/recompensa é o mesmo que influencia a distorção do pensamento e do autoengano. A adicção é uma doença que consegue defraudar o individuo ( e família). Diz, “Não existe tal coisa…” ou “Existe doença, mas só os outros é que ficam doentes…” ou “Eu consigo controlar…” Existem uma longa lista de justificações e auto engano (falsas crenças, rotinas, rituais, tradições), que o individuo, consciente e/ou inconscientemente, fomentam a incapacidade de diálogo racional consigo próprio (mente para si mesmo, sem ter a noção que o raciocínio/lógica não corresponde aos fatos e realidade). Interessante, observar que este processo também é identificado nas dinâmicas familiares. Nestas situações, se o individuo fosse sujeito ao poligrafo (detetor de mentiras), as suas afirmações eram consideradas verdadeiras. No prazer, na recompensa, no alheamento proporcionado pela adicção, paralelamente, existe um custo, uma divida, “um castigo moral”, “uma sentença”, um estigma que pode levar anos a desaparecer da vida e da recuperação do individuo, assim como, da família.
Durante os anos 50 investigadores americanos conduziram uma experiência sobre os mecanismos neurobiológicos associados ao desejo e à motivação. Para surpresa dos investigadores, quando bloquearam a libertação de dopamina em ratos, estes perderam toda a vontade de viver. Passados uns dias os ratos deixaram de beber água e morreram de sede. Quando os investigadores inverteram o processo, os cérebros dos ratos foram inundados de dopamina, ficaram de tal modo desejosos e motivados que se deslocavam ao local onde obtinham a dopamina 80 vezes por hora. Será assim tão diferente nos humanos? O jogador médio de slot machines é capaz de acionar o dispositivo das máquinas barulhentas 600 vezes por hora. A dopamina é libertada não apenas quando se sente prazer, também é libertada quando se antecipa o prazer. Os indivíduos dependentes do jogo, do alcoolismo, drogas, co dependência, sexo apresentam picos elevados de dopamina antes de jogarem, beber bebidas alcoólicas, consumir drogas, ausência de limites na relação (caos/disfuncionalidade), ou desejo intenso/fantasias sobre o sexo. Esta antecipação do desejo e do alheamento é complexa e pode revelar-se extremamente poderosa na personalidade de alguns indivíduos, por exemplos, nos impulsos, nas funções cognitivas, certo e errado (valores morais universais), regular emoções.
Sou a Inês e sou uma adita. Sim hoje aceito que sou uma adita e que usei mascaras demasiado tempo vivendo uma vida dupla, e negando a minha adição.
Na verdade, quando estava na minha adição ativa, tinha uma visão distorcida de mim mesma e da realidade á minha volta. Mas esse foi mesmo o objetivo inicial dos meus consumos, anestesiar a imagem que tinha sobre mim e todos os sentimentos associados a ela.
Hoje, estou limpa á mais de 4 anos e quando faço uma retrospetiva da minha vida, consigo identificar com muita facilidade a minha adição desde muito nova. As compulsões por obter prazer imediato estão bem presentes desde muito cedo, numa tentativa de controlar a intensidade das minhas emoções negativas e de calar a voz autodestrutiva que ecoava na minha cabeça que me dizia que eu não tinha nenhum valor, e que ninguém nunca podia gostar de mim. No fundo era a minha baixa autoestima e a minha falta de sentir pertença e a minha incapacidade de aceitar a vida como ela é.
Mas na altura não o sabia, e encontrei no álcool e nas drogas um alívio temporário e ilusório para o meu problema. Era como se anestesiassem o que sentia sobre mim. Quando consumia, aquela voz que me destruía e me fazia sofrer intensamente parava de falar, e assim julguei que tinha encontrado o que precisava para não sofrer mais.
No entanto as consequências desta solução, a longo prazo foram devastadoras. Tanto quis fugir de mim que me perdi completamente, os consumos foram cada vez mais frequentes, os riscos corridos cada vez maiores, no peito a sensação de vazio crescia, escavando um buraco cada vez maior. Já não sabia quem eu era, e apos várias tentativas falhadas de parar de consumir sozinha, estava num círculo vicioso de autodestruição, achava que enganava os outros com as minha vida dupla e manipulação, mas enganava-me era a mim própria cada vez mais em cada moca e cada ressaca.
Aos 35 anos graças á ajuda da minha família, fui internada num tratamento para dependências, onde iniciei a minha recuperação que começou com a abstinência de substâncias num ambiente controlado, onde me confrontaram com as evidências do descontrole em que a minha vida se tinha tornado. Aí foi quando baixei os braços e aceitei a minha impotência perante as drogas e tomei a decisão de começar o processo de reconexão comigo mesma que graças ao meu poder superior, até hoje continuo a trilhar.
Nas salas de Narcóticos Anónimos (1) encontrei exemplos, ouvi experiências de vida e para mim mais importante do que tudo, percebi que não estava sozinha e que havia ali pessoas que eram capazes de sentir as emoções mais negras e autodestrutivas, exatamente como eu. Independentemente de onde vinham, de quais as drogas que haviam consumido, quando falavam eu revia-me nas suas palavras, eu conseguia facilmente identificar em mim os mesmos sentimentos e os mesmos comportamentos. Pela primeira vez na vida senti que pertencia em algum lugar, senti o poder do que se costuma dizer nas salas “juntos conseguimos o que sozinhos nunca fomos capazes”.
Desde o momento que entrei em recuperação iniciei um processo profundo de autoconhecimento e de transformação pessoal. Fui tirando camadas sobre mim mesma e mergulhando cada vez mais em quem eu sou e só por hoje continuo a querer este caminho. Só por hoje não me vou autossabotar nem ser desonesta com o que sinto.
Aprendi a gostar de mim a viver em paz com quem eu sou e que tenho tudo o que preciso no meu mundo interior. As feridas só saram quando as destapamos, não vão lá com pensos rápidos, como são o álcool e as drogas.
Uma coisa tenho a certeza estando limpa e serena, na minha vida, muito mais será revelado….
Deixo a sugestão de um livro que fez parte deste meu processo e que fala sobre a coragem de ser quem somos.
“Propósito” de Sri Prem Baba da editora pergaminho
(1)Narcóticos Anónimos (NA) são grupos de ajuda mutua, em Portugal desde 1985 e existem reuniões no continente e ilhas. Existem reuniões de NA em praticamente em todo o mundo.
Comentário: Bem hajas Inês pela tua participação no Recuperar é que está a dar. O facto de seres uma mulher em recuperação, contraria o estigma e a vergonha oriundo da sociedade e o teu exemplo consegue mudar atitudes moralistas e preconceitos. Certamente, o teu texto será uma fonte inspiração e identificação a outras mulheres que procuram soluções para o seu sofrimento e perda do controlo, caracteristicas da adicção activa. Ao longo de 30 anos de experiência profissional, considero que as mulheres sofrem mais do que os homens as consequencias negativas da adicção. Desejo-te sucesso, paz e felicidade. Obrigado.
Estou em recuperação há 23 anos. Neste momento posso dizer que o tempo passa depressa. Quando bebia, tudo me acontecia, havia uma poluição de vozes na minha cabeça, era infernal.
Devo grande parte da minha recuperação à minha Mãe. Nunca deixou de acreditar em mim. Fazia parte das Familias Anónimas e soube como lidar comigo, principalmente nas nalturas certas.
Vou relatar 2 episódios no inicio de recuperação que me ajudaram muito a compreender o que é estar em recuperação. Aceitação da doença e como relacionar comigo próprio e com os outros de uma forma positiva e assertiva. Fiz 2 tratamentos num espaço de 1 ano. O primeiro 1999 e o segundo em 2000.
1º Episódio
Antes de 1999 fiz algumas reuniões de Alcoolicos Anónimos (AA) por sugestão da minha Mãe.
Fui a uma reunião e uma senhora mais velha partilhou a sua dificuldade em comprar uma tv para a filha que tinha sido muito importante na sua recuperação. No final da reunião em conversa com um companheiro de sala critiquei a Sra. Disse que não fazia sentido, era uma palhaçada, e isto não é alcoolismo. O companheiro da sala disse-me:
António, esta senhora tem vários anos de recuperação, já não tem vontade de beber, vontade essa que tú deves ter neste momento. Tú podes ajudar e em vez disso, estás a criticar. Quando saires da reunião vais beber certamente.
Dez minutos depois já estava a beber e foi a 1ª bofatada de luva branca que levei dos AA. Só mais tarde é que dei significado a este episódio. Identificação e interajuda contra a negação e a critica.
Em 1999 Após um acidente viação, conduzia completamente bêbado em que o carro foi para a sucata. Não compareci no julgamento e a policia compareceu na minha morada dias depois.
Aceitei ir para tratamento, não tinha alternativa. Mais uma vez foi a minha Mãe a funcionar nas alturas certas e a organizar a minha vida.
Iniciei o meu primeiro tratamento. Inicialmente não foi fácil. Aceitação do 1 Passo (Admitimos que eramos impotentes perante a nossa adicção e que tinhamos perdido o dominio da nossa vida) foi complicada, as confrontações, só queria sair e beber. Fui ficando, comecei a envolver-me, fiz amizades, os conselheiros sempre impecáveis, mas não fui honesto.
Tinha terminado uma longa relação afectiva e guardei só para mim os sentimentos e acontecimentos que tinha passado com a minha companheira.
Quando terminei o tratamento, iniciei uma nova vida, com reuniões AA e grupos dos Narcóticos Anónimos, tinha amigos, tinha um padrinho, uma vida profissional activa e recuperar a minha companheira era para mim a cereja no topo do bolo.
Correu mal.... Recai e entrei de novo num processo destrutivo.
Senti muita vergonha por ter falhado, mentido, só queria estar de novo sozinho a beber e a ouvir novamente as vozes poluentes na minha cabeça. Bebe! Bebe! Só mais uma........
A minha Mãe voltou a ser fundamental para mim. Disse-me para pedir ajuda no centro tratamento. Sugeriram-me ir a uma reunião e partilhar a recaída.
2º Episódio
Fui a reunião AA, só queria ser o primeiro a partilhar e sair da sala, estava farto, não me sentia bem e queria beber.
No final da partilha principal, um companheiro de sala antecipou-se e iniciou a partilha. Fiquei fulo, mas ouvi a partilha. Era um sr brasileiro, que passava horas na internet, nos blogs e isto em 2000, e contou o seguinte:
Um alcoólico foi parar a um centro tratamento e no fim do tratamento o pai dele financiou abertura de uma empresa. Ele precisava de uma secretária e num anúncio que colocou apareceram 2 candidatas. Escolheu uma secretária bonita sem formação e vez de uma feia com formação.
A empresa corria bem e quando quando fez 1 ano de recuperação foi jantar com a secretária para festejar. Correu mal, envolveu-se com ela e começou a beber, recaiu.
Pergunta do Blog
Quando é que recaiu??
Quando escolheu a secretária bonita???
Quando fez 1 Ano de recuperação??
Quando ouvi esta partilha identifiquei-me tanto, fez-se luz! Quando é que eu recaí?
Quando omiti ou quando fui beber 10 meses depois.
Percebi que recuperação não é recuperar o que tinha perdido. Estar em recuperação é uma nova forma de viver a vida.
Fui novamente para um centro tratamento em que procurei lidar comigo próprio. Percebi que aceitar a minha doença, lidar com os meus problemas, pedir ajuda e ajudar os outros foi fundamental para entrar e manter em recuperação.
Os conselheiros que conheci ajudaram muito e agradeço toda colaboração e experiência de vida e paciência que tiveram comigo.
Hoje sou casado, tenho uma filha, adoro a minha familia. todos os dias, antes de ir para casa no final de um dia de trabalho passo por casa dos meus pais, já velhotes, para lhes dar um beijinho e saber como estão.
Tenho um padrinho há 24 anos que sei que posso contar sempre com ele. Um bom amigo.
Não tenho um hobbie. Gosto de cinema e ouvir música. Tenho um cão há 8 anos. Antes deste também tive outro. Todos os sábados e Domingos acordo cedo e vou para o parque da Bela Vista ou para Monsanto passear.
O Bugas vai solto e sempre à frente durante 1 hora. Eu sigo-o no meio dos meus pensamentos e muitas tomadas deciões foram aqui arquitectadas. São momentos meus. Dou muita importâcia e raramente falto.
Sugerir um livro – “Into the Wild”, existe também em Filme. Forte e pesado, um empurrão para tomadas de decisões.
Todos os dias rezo a oração da serenidade.
Obrigado João
Um abraço a todos
+24
António
Comentário: Obrigado António pela tua participação no Recuperar das Dependências. Sucessos para a tua recuperação. Bem hajas
Segundo o dicionário da Língua Portuguesa a palavra literacia significa “capacidade para perceber e interpretar.”
Certamente já aconteceu, você tentar abordar um tema sensível e/ou complexo, com outra pessoa, e aperceber-se, ao invés de conseguir fomentar o diálogo aberto e honesto, o resultado da sua tentativa é precisamente o oposto. Gera-se um ambiente de tensão, discórdia e assumem-se posições individuais excessivamente inflexíveis e incompatíveis. Eis este caso. Consulta com um casal (esposo e esposa) onde ambos trocaram acusações, quanto aos erros que cada um cometia na educação da filha de 6 anos; o esposo acusava a esposa de ser permissiva e a esposa acusava-o de ser autoritário. Durante uma grande parte do tempo da sessão, persistiram nesta troca de acusações, tanto o esposo como a esposa, possuíam uma lista interminável de acusações. Cada um começava com a afirmação: “Tu não…” ou “Tu és…” Este casal não reconhece entre si legitimidade (confiança) quanto aos critérios sobre a educação, ambos alimentam o ressentimento e a raiva através da culpa, vulgo acusação – na realidade aquilo que estão a dizer é: “Tu é que és culpado/a de as coisas não estarem bem entre nós.” Será mesmo assim? Qual é o benefício que retiram para se culparem mutuamente?
A qualidade dos relacionamentos com as outras pessoas contribui para o auto conhecimento. Nesse sentido, seleccionei para si 8 orientações que visam promover e reforçar a comunicação e a literacia emocional.